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Artigo: Um banco para os pobres

VALDIR OLIVEIRA - Ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal

Em 2021, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tínhamos mais de 62 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza. Isso representa aproximadamente 30% da população do país. Em 2018, o mesmo IBGE registrou que 12,1% viviam nessa condição. Após quatro anos e uma pandemia, o Brasil empobreceu e mais que dobrou o percentual de vulneráveis. Importante ressaltar que aproximadamente 45% desses vulneráveis se encontram na Região Nordeste, o que mostra uma profunda desigualdade regional no Brasil. Os aglomerados urbanos, onde essa população se concentra, têm uma dinâmica econômica própria, em que a produção e o consumo fazem parte de um ciclo econômico no qual o pobre produz para os ricos. Essa lógica aumenta a concentração de renda no Brasil, deixando os pobres cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos.

A solução para um desenvolvimento com geração de empregos e distribuição de renda passa necessariamente pelo fomento aos pequenos negócios. As redes de apoio a esses negócios existentes no Brasil alcançaram, essencialmente, médias empresas. Os mais pobres continuaram excluídos nesse momento de pós-pandemia. O desemprego dos últimos anos levou à busca pela sobrevivência de grande parte dos nossos desempregados, criando uma economia paralela, muitas vezes invisível aos controles formais do Estado. Isso resulta em uma economia perversa, em que a pobreza não encontra oportunidade para seu crescimento econômico, fruto das próprias iniciativas produtivas.

Em 2001, conheci a experiência do Grameen Bank em Bangladesh, a referência mundial das microfinanças. O professor Muhammad Yunus criou uma solução de crédito, como inclusão financeira e resgate da pobreza daquelas pessoas que eram as excluídas das excluídas de Bangladesh: as mulheres. Na década de 1970, junto com a emancipação de Bangladesh, o professor Yunus e alguns de seus alunos aproveitaram esse movimento emancipacionista para romper com a cultura opressora contra as mulheres que nem sequer tinham direito a ter direito. Quase 30 anos depois, quando conheci a experiência do Grameen, Bangladesh já era administrada por uma primeira-ministra. O crédito pode ser o indutor para mudança na vida das pessoas.

A moeda social é a forma de estimular a produção e o consumo nas comunidades mais carentes do Brasil. Ela é o instrumento de troca entre a produção e o consumo que pode trazer uma nova lógica de inclusão social, criando um novo ciclo econômico em que o pobre vai produzir, preferencialmente, para o pobre consumir. Essa é a forma mais rápida de promover o desenvolvimento de comunidades vulneráveis, estimulando a economia local. A moeda social não é controlada pela autoridade monetária porque não é uma moeda oficial. Normalmente, ela é lastreada pelo real, o que garante aos agentes a conversão dessa moeda em circulação.

Existem no Brasil aproximadamente 150 moedas sociais circulando em áreas mais carentes. Os responsáveis por esse modelo e emissão dessas moedas são os bancos comunitários associados à Rede Brasileira de Bancos Comunitários (RBBC). Sua ação vai além da emissão da moeda, inclui a articulação com os agentes econômicos locais que possam fortalecer o sistema solidário para inclusão social. Os bancos comunitários também são agentes de crédito em moedas sociais. Ao fazer isso, potencializam a produção e o consumo local, desenvolvendo atividades econômicas que possam suprir a demanda local, fazendo a riqueza circular entre a produção e consumo daqueles que antes só produziam para os ricos, pois não tinham sua capacidade de comercialização amparada pelo sistema, dada a dificuldade de acesso ao mercado. Banco comercial nunca conseguiu alcançar os mais pobres, essa é a verdade.

Com o empobrecimento da população brasileira e a dificuldade do sistema financeiro de alcançar os mais pobres, fica claro que o Brasil precisa de um banco para os pobres. Essa solução promove de forma mais rápida o desenvolvimento de uma comunidade. Mas ela não se esgota no seu modelo fechado. É necessária a abertura para o mercado por meio da moeda oficial, o real.

Ter acesso ao crédito, produzir e consumir em moeda local promove de forma rápida um crescimento, mas também se esgota de forma rápida por ter o potencial limitado no mercado local. Por isso, é importante que esse modelo encontre uma abertura para transações fora dos limites da comunidade. Será com o modelo de correspondente bancário ou banco digital que o banco comunitário fará as transações com o mercado. Com essa possibilidade, o banco comunitário pode abrir conta para os seus clientes e entrar nas formas de pagamento do sistema financeiro. Assim, teremos um ciclo completo, onde as moedas sociais alcançarão os mais vulneráveis para o estímulo à produção e consumo, mantendo com o mercado a porta para transações que potencializam suas economias.

O crescimento da renda dentro dos mais vulneráveis abre nova perspectiva de mercado, com possibilidades de negócios e renda. A inclusão dos mais pobres no mercado significa a ampliação do consumo e a geração de emprego com distribuição de renda. Um banco para os pobres no Brasil pode abrir a porta para aqueles que hoje não encontram perspectivas de futuro e sustento da família, com uma política de inclusão social e distribuição de renda, sendo o grande fomento a milhares de bancos comunitários espalhados pelo Brasil.

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