JORGE FONTOURA - Advogado e professor
A busca de comércio com a China tem sido recorrência milenar no imaginário histórico do Ocidente. Nas grandes navegações, inclusive, o caminho marítimo para as Índias era designação indevida, a idear todo um Oriente profundo, também China e Japão, como sabemos desde as armas e os barões assinalados.
Ainda muito antes do achamento da terra Brasilis, a dizê-lo com precisão histórica, ocorrido em meio à busca do Oriente pelo Ocidente, já se cultivava, portanto, a ideia-força da rota da seda, presente em civilizações marcantes da antiguidade. Rota como economia política, não como geografia, a querer dizer esforço e ímpeto de comércio com a China antes que literalmente caminho a seguir.
Agora, com a viagem do presidente Lula da Silva a Pequim, em aparatosa visita de Estado, logo nihil novi sub sole, apenas que acompanhado de numerosa delegação, composta de empresários, governadores, ministros e membros do Congresso, como manifesta demonstração de revalorização da política externa. Com objetivos definidos a princípio em densa agenda comercial, mas não apenas nela, o programa projeta relevantes desdobramentos geopolíticos e institucionais, como lembra o embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico, do Itamaraty: "As áreas são diversas, desde agricultura, mas a incluir educação, meio ambiente, cultura, ciência e tecnologia e finanças".
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Se a agenda comercial pode se autoexplicar, a considerar os vultosos interesses em cotejo, a conjuntura mundial também impõe pauta de clamorosas urgências, em semana de especial complexidade no noticiário internacional, da imputação de Putin por crime de guerra ao rescaldo da visita melindrosa de Xi Jimping a Moscou.
No mundo de claudicantes polaridades múltiplas, a China é cada vez mais importante, a impactar de forma global e em primeira grandeza. Para o Brasil, se há bem pouco se tratava de mera décima parceira comercial, hoje é de longe a primeira. Tanto em fluxo de comércio, na ordem de 150 bilhões de dólares anuais, como em investimentos diretos estimados em estoques de outros setenta e tantos iguais bilhões. Como decorrência de tão convincentes cifras, mais que parceira, tem-se de fato sócia inestimável, com a economia chinesa interatuando e influenciando de modo decisivo.
Já a bem sinalizar nessa direção, a recente escolha da secretária de Comércio Exterior, Tatiana Lacerda Prazeres, deixou clara a importância que o Palácio do Planalto passou a reconhecer nas relações sino-brasileiras, tomando em conta a expertise da nova gestora do comércio internacional, ex-senior felow da Universidade de Economia e de Negócios Internacionais de Pequim, a par de toda sua vasta trajetória técnica e acadêmica.
No que concerne à agenda de política internacional propriamente dita, no entanto, o encontro entre Lula da Silva e Xi Jinping não será apenas com céu azul. Mormente na expectativa da inevitável abordagem da guerra de Putin. Nesse sentido, também estará na ordem do dia o plano de cessar fogo patrocinado por chineses para a Ucrânia, porém inaceitável para a União Europeia e para norte-americanos, como afirmou às pressas o porta-voz da Casa Branca, John Kirby, em clara mensagem à Garcia. Uma trégua agora representaria indesejável consolidação de conquistas territoriais russas em solo ucraniano, como uma vitória retumbante e silenciosa para o Kremlin. O que diria Joe Biden? Serão tensões incontornáveis, por certo, agravadas pelo momento mercurial que vive a China, com discursos marciais de seu presidente sobre exércitos, armas e muralhas de aço.
Restará em aberto o desafio da redação do comunicado conjunto, ato final do encontro, no qual muito pretenderá dizer Xi Jinping, com certeza, além de comércio e de boas intenções recíprocas, incluir posições acerca do conflito por enquanto apenas pan-eslavo. Posições de Xi Jinping, bem entendido, mas não tanto posições de Lula da Silva. Mais uma tarefa de Hércules para a escolada dicção e o apropriado saber fazer e dizer da diplomacia brasileira.
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