LINEU NEIVA RODRIGUES - Pesquisador e chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Cerrados
O Dia Mundial da Água é comemorado em 22 de março. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de colocar esse recurso natural em evidência. E é fundamental, nesse sentido, destacar a importância da água em todas as atividades humanas, por isso a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) tem como um dos seus fundamentos o uso múltiplo das águas. Outro fundamento da PNRH estabelece que, em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais. Ninguém discute essa premissa, uma que não podemos viver sem água. Mas podemos viver sem alimento? Produzir alimento demanda quantidades significativas de água. Como equacionar a alocação da água entre os diversos usos em situação de escassez? O desafio é ainda maior pelo fato de a quantidade de água demandada ser muito variável espacial e temporalmente.
Ao contrário do senso comum, em geral, apenas uma parte da água necessária para produzir alimentos é água azul (retirada de rios e aquíferos). Existem muitas incertezas no caminho entre produzir o alimento no campo e o seu consumo final. Certamente, uma das maiores dúvidas nesse processo é a disponibilidade de água para as culturas, uma vez que ela é o principal fator de produção. Em várias regiões do mundo, a produção de alimentos tem sido prejudicada pela escassez ou aumento da demanda hídrica. Em áreas de sequeiro, onde o desenvolvimento da cultura é totalmente dependente das chuvas, o impacto das variações climáticas na produção é ainda mais relevante. Nesse contexto, fica evidente que não se pode pensar em escala de produção e em segurança alimentar e nutricional unicamente com base na agricultura de sequeiro.
A produção de alimentos em áreas irrigadas tem a ajuda da irrigação em períodos em que as chuvas não são suficientes para atender as necessidades hídricas das culturas. Em cenário atual em que os estudos têm indicado que a variabilidade temporal, natural das chuvas, tem aumentado e existe a necessidade de elevação real na produção de alimentos de cerca de 70%, o papel da irrigação torna-se cada vez mais relevante. Embora o Brasil detenha mais de 10% da água doce superficial disponível no planeta e quase 30% da disponibilidade nas Américas, a água se tornou um fator limitante para o desenvolvimento econômico do país e fonte de disputas em várias regiões e entre vários setores. Nesse contexto, será cada vez mais preponderante adotar estratégias de manejo que trabalhem os recursos hídricos de forma integrada.
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Essa abordagem integrada dos recursos hídricos demandam soluções científicas inovadoras que mudarão a forma de trabalhar a agricultura e de produzir alimentos. A atividade agrícola é a principal usuária de recursos hídricos no mundo e a sua intensificação deve ser feita de forma planejada, evitando os desequilíbrios. Quando se trata, entretanto, de água na agricultura, é importante diferenciar a agricultura de sequeiro da agricultura irrigada. A primeira, que representa cerca de 90% da área plantada no país, depende apenas da água da chuva (água verde). A segunda faz uso da água verde e da água azul, entrando, assim, na contabilidade da gestão hídrica da bacia hidrográfica.
Grande parte da água necessária para produzir alimento vem das chuvas, estando sujeito às suas incertezas. Nesse sentido, a irrigação tem sido cada vez mais estratégica para a sustentabilidade da produção de alimentos. Ela complementa a necessidade hídrica das plantas, trazendo estabilidade na produção, sendo, sem dúvida, a tecnologia com maior potencial de contribuir para o aumento da segurança alimentar e ambiental, bem como para a redução da fome e da pobreza, além de gerar grandenúmero de empregos. A irrigação traz benefícios importantes relacionados à produção de alimentos, à geração de empregos, ao desenvolvimento social e ao meio ambiente e, de tal forma, é uma tecnologia fundamental em qualquer planejamento estratégico de Estado.
O desafio para desenvolvimento da agricultura irrigada é mais político do que tecnológico. É preciso garantir aos irrigantes as bases para o seu desenvolvimento, ou seja, é preciso que eles tenham segurança ambiental, hídrica, energética e jurídica para o negócio. É necessário avançar na gestão de recursos hídricos, pensando em estratégias efetivas de armazenamento de água. A maior parte dos recursos hídricos continua manejada de maneira fragmentada, desconsiderando relações importantes, como a existente entre as águas subterrânea e superficial. A ciência precisa avançar para entender melhor a dinâmica das águas subterrâneas, ter melhor conhecimento dos aquíferos, tanto em escala regional quanto local, e sua interação nos diferentes ambientes, com a água superficial, contribuindo para a gestão integrada dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos.
Cada vez mais se torna fundamental adotar estratégias de manejo que considerem os recursos hídricos de forma integrada e que almejem uma alocação equitativa, considerando os usos múltiplos da água e a bacia hidrográfica como unidade de referência. Nesse campo de abordagem, a pesquisa científica tem o desafio de desenvolver conhecimentos que direcionem soluções e que, por sua vez, visem, principalmente, compatibilizar produção de alimento, fibras e energia ao uso múltiplo e sustentável dos recursos hídricos.
O grande alerta para esse dia é entender as peculiaridades da agricultura em relação ao uso da água, principalmente da agricultura irrigada. Um fato é certo: entre os diversos usos da água, produzir alimentos é um dos mais nobres. O Dia da Alimentação é comemorado em 16 de outubro. O dia da produção do alimento poderia ser celebrado junto com o Dia da Água. Nesse dia, então, poderíamos aproveitar para celebrar esses dois elementos essenciais para a vida: água e alimento.
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