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Opinião

Artigo: O assédio está no paredão

Infelizmente, foi preciso que essas cenas cotidianas se replicassem em um reality show para que o tema ganhasse uma importante lente de aumento

Cara de Sapato e MC Guimê foram eliminados do programa -  (crédito: Reprodução/Rede Globo)
Cara de Sapato e MC Guimê foram eliminados do programa - (crédito: Reprodução/Rede Globo)
postado em 20/03/2023 06:00

As cenas reais de uma mulher sendo importunada sexualmente por dois homens foram expostas em rede nacional, em um dos programas de maior audiência e repercussão da televisão brasileira. O assunto gerou forte discussão entre os internautas. Os patrocinadores não gostaram e entraram em campo, exigindo uma atitude rígida da emissora, que eliminou os rapazes, sumariamente, do programa. 

A vítima em questão, consultada diante de câmeras, negou que tenha se sentido desconfortável, ainda que as cenas presenciadas pelo Brasil inteiro dissessem o contrário. Mas, no âmbito criminal, a Polícia Civil abriu inquérito para apurar se houve a importunação sexual descrita na Lei 13.718/18 do Código Penal. 

É verdade que episódios semelhantes ocorrem diariamente nas principais baladas e, na maioria das vezes, ficam por isso mesmo. É algo comum, banal, normal. Quando não colocam a culpa na bebida, apela-se para a dinâmica que envolve o jogo de sedução.

Ficou estabelecido — Deus sabe por quem — que os homens devem cumprir o papel de caçador e as mulheres se posicionarem como a presa difícil de ser conquistada. A sociedade determinou que se criasse este fluxo patético em que a naturalidade e a espontaneidade de um flerte se perca nesse script pra lá de datado.

Nesse storytelling conservador, meninos são criados para serem machos alfa e meninas para serem moças recatadas — e ai de quem se atreve a escapar desse ciclo tóxico. Afinal, eles podem ter a masculinidade questionada e elas serem rotuladas com aqueles adjetivos que remetem à profissão mais antiga do mundo. E é a reprodução dessa bobagem secular que perpetua, valida e estimula tais atitudes que, ainda bem, estão sendo desconstruídas, pelo menos pela mídia.

Infelizmente, foi preciso que essas cenas cotidianas se replicassem em um reality show para que o tema ganhasse uma importante lente de aumento. Porque, sim, é preciso falar sobre assédio — que ocorre quando há uma hierarquia como instrumento de intimidação — e importunação sexual. Urge a necessidade de que a sociedade doutrinada pelo patriarcado compreenda o peso do problema.

Mulheres são vítimas diárias do machismo enraizado e relativizam a situação, minimizando o desconforto que sentem, em nome de alguns medos — seja o de se expor, o de prejudicar um amigo ou mesmo o de ser perseguida por um assediador que, de alguma forma, possa materializar um perigo concreto.

Contudo, elas precisam reagir. Não dá para ser respeitosa com quem a desrespeita. Não se romantiza beijo roubado, nem uma supostamente inocente mão boba. Por ser participante de um reality show, a protagonista do episódio que mobilizou o país estava protegida, de certa forma, de algo pior.

Não é o caso de tantas que saem de casa anonimamente para se divertir em uma festa e precisam lidar com engraçadinhos que acham que, por ser jeitosinha e estar usando uma roupa curta, é um pedaço de carne e esteja ali para satisfazer a lascívia deles.

"Está chato ser homem. Agora tudo é assédio", eles dizem. Nem tudo, meus caros. Mas quando elas dizem não, é importunação sexual. É crime. E ser mulher tem sido chato há séculos.

 


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