Quem me acompanha por aqui já leu alguns artigos sobre o envelhecimento. Lido com a passagem do tempo com bom humor. Afinal, começamos a envelhecer tão logo nascemos. A contagem progressiva dos anos costuma trazer sabedoria e paz de espírito, mas, para muitos, traz revolta, medo da morte e tentativas infrutíferas de permanecer eternamente jovem — e isso é um sofrimento extremo, porque é simplesmente inalcançável.
Assim como o machismo e o racismo, embora em proporções diferentes, o etarismo, como hoje é batizado o preconceito contra pessoas mais velhas, é também estrutural. Modelo de um comportamento enraizado que valoriza apenas o jovem e traz distorções sociais, morais, éticas, estéticas, financeiras.
Episódios recentes deixaram clara a prevalência do etarismo aqui e lá fora. A atriz Michelle Yeoh, vencedora da estatueta de Melhor Atriz do Oscar, aos 60 anos, pelo seu papel no filme Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, direcionou seu discurso às mulheres na sua faixa de idade: "Senhoras, não deixem ninguém dizer que vocês já passaram do seu auge". Ou seja, se ela sentiu necessidade de encorajar outras mulheres na sua faixa etária é porque, certamente, sentiu e sente os efeitos do etarismo.
O outro episódio, este muito triste, foi o ataque preconceituoso das três universitárias contra Patrícia Linares, 44, aprovada para o curso de biomedicina, em uma faculdade particular em Bauru (SP). Debocharam, rotularam a colega de "velha" para cursar nível superior e ainda postaram na internet, como se fosse algo aceitável, normal, desejável até. Uma naturalidade que choca. Diante da repercussão, pediram desculpas e se desligaram do curso.
Não há idade para aprender. As mocinhas preconceituosas devem ter envelhecido mais de uma década em dois ou três dias. Estão aprendendo pela dor, o que é lamentável, mas educativo. Outros decidem aprender pelos livros, com os professores, e não importa quantos anos tenham.
No caderno Trabalho & Formação Profissional, editado pela experiente e premiada jornalista Ana Sá, publicado hoje, trazemos histórias de alunos de medicina, que entraram mais velhos na universidade. Perla passou pelo Enem aos 44 anos e cursa hoje sétimo semestre; Williamar tem 35 anos e cursa o quarto ano de medicina; Paula também começou aos 34 anos, após uma carreira consolidada como bióloga; a diarista Jane passou 12 anos estudando até passar no vestibular aos 49 anos.
Não são histórias tão raras como se pode imaginar. No Brasil, um em cada três universitários passou dos 30 anos. O etarismo, além de tudo, é impregnado de uma burrice generalizada, uma ignorância ante as estatísticas do Brasil e do mundo em relação à idade da população.
Em muito pouco tempo, jovens serão minoria entre nós. Há um mundo inteiro inexplorado de potencialidades da população que passou dos 60 anos e segue com força para atuar de forma produtiva na sociedade. A flagrante falta de oportunidade para essa população é também uma falta de visão estratégica imensa do chamado setor produtivo. Os velhos e as velhas têm muito a contribuir. Só os imbecis não enxergam.
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