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Educação

Novo ensino médio: precisamos replanejar a rota

São mais de 1,2 milhão de matrículas de mulheres em cursos de educação profissional e tecnológica -  (crédito: Javotrueba via Unsplash)
São mais de 1,2 milhão de matrículas de mulheres em cursos de educação profissional e tecnológica - (crédito: Javotrueba via Unsplash)
postado em 17/03/2023 06:00 / atualizado em 17/03/2023 10:52

Erneto Martins Faria - Diretor fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional e Lecticia Maggi Silveira - Gerente de comunicação no Iede

De cada 100 jovens brasileiros de 15 a 17 anos, 95 estão matriculados na escola. Porém, somente 75 no ensino médio. Os outros, atrasados, ainda cursam o ensino fundamental. Quando o recorte é feito considerando a renda dos estudantes, as desigualdades são expressivas: entre os 25% mais ricos, 93% estão no ensino médio; entre os 25% mais pobres, 71%. Os dados são do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021, do Todos Pela Educação, e mostram também que menos de 70% dos jovens concluíram a educação básica na idade esperada, isto é, até os 19 anos.

O acesso, a permanência e a conclusão do ensino médio são questões muito preocupantes, assim como a aprendizagem dos estudantes. Ainda que os desafios não sejam exclusividade da etapa — eles se agravam nos anos finais do ensino fundamental — o ensino médio registra o índice mais baixo de alunos com aprendizado adequado: somente 5% em matemática e 31% em língua portuguesa, conforme dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2021, tabulados pelo Iede.

É indiscutível que algo precisava ser feito. Há a necessidade de um ensino médio que se conecte mais aos jovens, à realidade do século 21 e que os prepare para o ingresso no mercado de trabalho. A aposta para tentar reverter os índices ruins, em especial em relação ao abandono e à evasão escolar, foi o chamado Novo Ensino Médio (NEM), sancionado em 2017, que começou a ser implementado em 2022, com prazo para conclusão do processo até 2024.

Entre outras mudanças, o NEM aumenta a carga horária dos estudantes de 2.400 horas para 3 mil horas ao longo dos três anos e inclui flexibilização curricular, com a existência de itinerários formativos para que cada um se aprofunde nas áreas em que tem mais interesse. A expectativa era de uma educação mais customizada e atrativa, ajudando na permanência do jovem na escola, embora saibamos que há muitas outras questões que influenciam nessa decisão e exigem políticas específicas, como a necessidade de trabalhar e a gravidez na adolescência.

De toda forma, na teoria, o NEM parecia bastante bom. Na prática, era sabido que existiriam muitos desafios. Ainda assim, a realidade de sua implementação tem se mostrado ainda mais complexa que as previsões. Reportagem do jornal O Globo publicada em fevereiro teve ampla repercussão ao revelar a existência de aulas de "Brigadeiro caseiro", "O que rola por aí" e "RPG" em algumas escolas do país. Aulas estas que, ao menos pelo nome, sob nenhuma perspectiva — preparação para o mercado de trabalho, continuação dos estudos ou mesmo formação integral, como preconiza a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) — parecem as mais importantes.

Entre os tópicos mais difíceis para uma implementação eficaz da reforma, estão a formação de professores e a infraestrutura das escolas. Dados de 2022 do Inep mostram que 68% dos professores de ensino médio do país têm formação adequada (licenciatura ou bacharelado com complementação pedagógica na mesma área da disciplina que leciona). Contudo, se for considerada apenas a rede rural, o índice cai para pouco mais da metade (52,3%). Ou seja, a adequação da formação docente é uma questão prévia à reforma, mas ganhou novos contornos com os professores tendo que lecionar para disciplinas que têm pouca ou nenhuma familiaridade a fim de cumprir carga horária. Também é complexo imaginar aulas alinhadas às necessidades do jovem do século 21 em escolas que nem sequer têm acesso à internet (64% das unidades de educação básica têm banda larga e 33% laboratórios de informática, de acordo com o Censo 2022).

De um lado, há organizações e especialistas que defendem a manutenção do NEM sob o argumento de que exigiu muito esforço e articulação para que fosse homologado e há redes muito empenhadas em implementá-lo, o que é verdade. De outro, pais e alunos que têm pressa, que precisam de respostas, e que sentem que estão sendo prejudicados em relação a estudantes de escolas "mais ricas", o que também tem lógica. Isso porque um dos maiores desafios tem sido justamente em relação aos itinerários formativos, com ofertas limitadas e pouco coerentes. Em geral, escolas e redes de ensino com mais recursos humanos e financeiros têm se saído melhor na empreitada.

A provocação que propomos é se não há um caminho do meio: de admitir que o NEM tem problemas, que precisa de revisões e ajustes, mas sem perder a política. A dor de alunos, pais e educadores é absolutamente compreensível e legítima, assim como também é válido o argumento de quem defende a reforma: o ensino médio tem sérios problemas e houve um esforço em busca de soluções. O momento, mais do que nunca, é de diálogo e cooperação entre quem está no chão da escola, quem estuda e pesquisa educação e os governos. O Ministério da Educação (MEC), junto aos governos estaduais, tem condições técnicas de liderar essa implementação e de fazer ajustes na política, ao passo que organizações podem apoiar os municípios e escolas mais vulneráveis nesse processo.

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