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Artigo — Cotas raciais: melhorias, fortalecimento e o desafio da fraude

pri-1103-opiniao opinião -  (crédito: Caio Gomez)
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Uiara Braúna
postado em 11/03/2023 06:00

UIARA BRAÚNA - Advogada e militante em direitos humanos, é membro da Comissão da Igualdade Racial da OAB/DF

Quando se fala em medidas de reparação, em ação afirmativa, não é mera retórica. Trata-se de um Estado que promoveu desigualdades por meio, inclusive, de sua legislação. O Brasil foi o último país que aboliu o sistema escravocrata e ainda prosseguiu com a exclusão de negros no mercado de trabalho, sistema educacional e outros espaços. A primeira Constituição, de 1824, foi seguida de um normativo, proibindo negros de frequentar as escolas. Se o Estado promoveu a desigualdade racial, cabe a ele o dever de reparação.

No Brasil, mérito tem a ver com tonalidade de pele, e as políticas de cotas raciais não vieram para prejudicar outros grupos. Se somos uma sociedade democrática, a população negra deve participar dos espaços de poder incluindo a formulação de políticas públicas.

Pensar na melhoria dos serviços públicos de saúde, educação e segurança pública é pensar também em diversidade. Devemos entender como vai operando o racismo institucional e como ainda hoje crianças negras são humilhadas e desprezadas com base na estética, história e religião.

Com a emergência de cotas raciais em favor de pessoas negras — pretas e pardas —, é preciso evitar que pessoas brancas inescrupulosas manipulem a ação afirmativa em seu favor, ao se declararem negras e abocanharem vagas que não são destinadas a elas. Trata-se de crime de falsidade ideológica. A administração pública tem que fiscalizar.

Alunos negros, em geral, são os mais pobres e costumam melhorar seu desempenho, têm menores taxas de evasão, viram-se como podem, vão a pé para a escola e muitas vezesnão têm o que comer. É injustificável a ausência de negros nos espaços de prestígio, uma vez que somos 56% da população. A maioria torna-se minoria ou exceção quando se falaem melhor remuneração, postos de gerência e chefia, carreiras mais cobiçadas.

Para arrematar, as fraudes também exercem seu papel em beneficiar os brancos, já que não há fiscalização eficiente. Na tentativa de acabar com a fraude e garantir que as cotas sejam utilizadas pelas pessoas a quem são realmente destinadas, as instituições começaram a adotar um processo de heteroidentificação, que consiste em analisar características fenotípicas negróides do candidato como cor da pele, formato dos olho textura dos cabelos e outros, mas, mesmo nesse processo, ainda podem ocorrer ilegalidades.

Espera-se que a existência de uma banca ou comissão nesse processo, somando-se à autodeclaração, possa reduzir as fraudes no sistema. Por outro lado, o processo é fortalecido pela possibilidade de indeferimento de inscrição do candidato com base no fundamento da comissão de heteroidentificação, sob pena de anulação do ato administrativo.

Temos diversas propostas para o aperfeiçoamento da Lei de Cotas, incluindo no meio legislativo os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional. Em sentido contrário há também projetos com visões distorcidas do programa.

Precisamos de políticas sociais de combate a discriminações raciais para promover a participação da população negra no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais e, também, focalizadas na permanência desses alunos na universidade pública que na verdade tem alto custo para a permanência dos cotistas mais carentes.

O sistema de cotas ainda é essencial no processo de democratização no acesso às universidades, institutos federais e cargos públicos, este último regido pela Lei 12.990, de 2014. Quanto às empresas privadas e organizações, ações afirmativas devem ser adotadas a fim de eliminar as desigualdades não só integrando o negro, mas também promovendo a sua sustentação por meio de uma inclusão que seja efetiva, com cursos e treinamentos. Afinal, as empresas também retratam nossa sociedade.

A política tem dado certo. Seus resultados podem ser constatados na melhoria da diversidade no perfil do alunado das universidades públicas. Nas palavras de Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, "estamos vivendo um momento histórico de trazer o negro para viver neste amparo das ações afirmativas consistentes nessas cotas, que há mais de 10 anos melhoram as cores dos álbuns de formaturas, que deixam de ser apenas brancos".

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