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Opinião

Artigo: Biblioteca ambulante

Cecília Meirelles dizia que a palavra é a porta de entrada para o mundo. Tinha toda a razão

  -  (crédito:  Carlos Vieira/CB)
- (crédito: Carlos Vieira/CB)
postado em 04/03/2023 06:00

Por ARNALDO NISKIER — Membro da Academia Brasileira de Letras

Nascido no bairro suburbano de Pilares, conheci as verdadeiras alegrias do carnaval durante os muitos anos vividos na Tijuca. Acompanhei vários blocos nas ruas Hadock Lobo e Doutor Satamini, aplaudindo figuras como Pepita, lanterninha do cinema Velo, que brilhava com a sua fantasia de espanhola, em todos os seus clássicos trejeitos.

Cecília Meirelles dizia que a palavra é a porta de entrada para o mundo. Tinha toda a razão. Seis escritores se inspiraram na minha modesta biografia para elaborar, há cinco anos, o enredo Prefiro ser uma biblioteca ambulante, da Escola de Samba Mocidade Unida da Cidade de Deus, que desfilou na Liga Independente das Escolas de Samba do Brasil, na Estrada Intendente Magalhães, em Campinho. Eram eles Paulinho das Frutas, Valdo, Pitibull, Valtinho, Miguel do Repinique e Filhinho.

Fizeram um samba bem inspirado. A minha família, toda fantasiada, desfilou no alto do carro alegórico, com trechos que o Google deixou registrados, como "ídolo da cultura se tornou um universitário fascinante e buscou na vida sabedoria através da educação veio de Pilares este humilde cidadão, que se eternizou na Academia, grande mestre se tornou". E o refrão muito bom de ouvir: "Cidade de Deus enaltece você / Uma salva de palmas para Arnaldo Niskier". Não sem antes refletir o sonho de criação do Planetário. Tornou-se uma biblioteca ambulante.

Como disse a cronista Cora Rónai, em O Globo, "carnaval é vida, alegria, saúde, liberdade e democracia". Pediu aos seus incontáveis leitores que lhe escrevessem sobre os livros que estavam lendo e ficou impressionada com a quantidade dos que se debruçavam sobre Dostoievsky. E concluiu: "Ver uma pessoa lendo um livro que a gente ama é ver um livro recomendando uma pessoa". São ideias com as quais concordamos plenamente.

A leitura tem por finalidade levar vida a outros mundos possíveis, por meio da literatura ou das revistas e livros. Pode não só nos entreter, como, ao mesmo tempo, favorecer a reflexão sobre a realidade ou a fuga de dificuldades que enfrentamos em nosso cotidiano. Além disso, desperta sonhos, curiosidades e ativa a criatividade.

Existe uma data oficialmente escolhida para celebrar o livro: 23 de abril é o Dia Mundial do Livro. A data, instituída em 1995 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), foi a escolhida por marcar o aniversário de morte de dois grandes nomes da literatura universal, William Shakespeare e Miguel de Cervantes, e visa, em especial, fazer com que as pessoas possam refletir sobre a importância do livro.

Apesar de escritores já terem sido tema de muitos sambas-enredos, num cenário de desigualdades sociais e de defasagem educacional como a que temos no Brasil, é complexo pensar em um país de leitores. Ainda mais conhecendo a realidade dos preços do mercado editorial. Para muitos brasileiros, o livro é um artigo de luxo.

Uma pesquisa realizada antes da pandemia, em 2018, divulgada pelo Instituto Pró-Livro (IPL), indicou que 44% da população não lê e 30% nunca comprou um livro. Esse cenário vem de um contexto explicado no nosso passado. Historicamente, nossa imprensa só foi solidificada com a chegada da família real, no século 19, e as políticas educacionais demoraram muito a se consolidar. Durante séculos, grande parte da nossa população foi analfabeta. Mesmo atualmente, ainda temos um índice elevado de analfabetos funcionais.

Uma das saídas para dirimir esse problema seria investir em bibliotecas, espaços democráticos de acesso aos livros, à leitura e à informação de uma maneira geral. Outro papel importante, e voltamos ao começo, é o da família e o da escola na formação de leitores.

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