Na segunda década do século 21, vários setores da economia brasileira insistem em viver no anos de 1500, quando a escravidão era prática que vitimava negros sequestrados em África para servirem de mão de obra cativa das atividades produtivas e vassalos dos degredados colonizadores, que compunham a elite no país. Após 135 anos da Abolição da Escravidão, o passado continua presente no Brasil. Reverberou como escândalo o resgate de 215 trabalhadores, submetidos a condições análogas à da escravidão em vinícolas renomadas, instaladas em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul.
Os trabalhadores foram recrutados no interior da Bahia, com promessas enganosas de trabalho, com bons salários, alojamento e alimentação, para coleta de uvas em renomadas vinícolas gaúchas. Um pequeno grupo que conseguiu fugir e denunciar o crime às autoridades da Inspeção do Trabalho em Caxias do Sul, distante 40 km de Bento Gonçalves.
O grupo de fiscalização do Ministério do Trabalho, com apoio da Polícia Rodoviária Federal, do Ministério Público do Trabalho e da Defensoria Pública da União, encontrou um cenário típico das senzalas. Alojamento superlotado, sem segurança e higiene. Os trabalhadores relataram que sofriam ameaças, agressões e choques elétricos e recebiam alimentos estragados. Os capitães do mato usavam, inclusive, spray de pimenta contra as vítimas.
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As vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldo e Salton, como de praxe, emitiram notas de esclarecimento nas quais condenaram os maus tratos dos trabalhadores e asseguraram que não compactuam o trabalho análogo ao da escravidão. Segundo os empresários, em razão do período de safra, a terceirização de mão de obra para a colheita da uva é necessária. Na terça-feira, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, que promove as empresas no exterior, suspendeu a participação das três vinícolas de suas atividades, até que sejam concluídas todas as investigações.
Entre 1995 e 2022, mais de 60 mil brasileiros foram resgatados pela fiscalização do Ministério do Trabalho. No meio rural, 46.779 brasileiros foram submetidos à condição de escravos. Nas cidades, 13.472 pessoas também enfrentaram a mesma situação. A maioria delas era explorada por grandes redes do ramo de vestuário do segmento de luxo — muitas eram imigrantes latino-americanos. No ano passado, foram libertados 2.575 trabalhadores, dos quais 83% se autodeclararam negros; mais da metade (58%) era do Nordeste; e 7%, analfabetos
De acordo com a Lei 10.803/2003, que alterou o artigo 149 do Decreto-lei 2.848/1940, é crime "reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto". A lei prevê pena de reclusão de dois a oito anos de reclusão e multa. Se a vítima for criança ou adolescente, ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem, a pena é aumentada de metade.
A legislação atual, na comparação com a de 1940, não se tornou rigorosa o suficiente para inibir a exploração indecorosa de mão de obra de pessoas que sequer têm conhecimento de seus direitos trabalhistas. O poder econômico e político dos empresários permite que eles contornem os embaraços legais. Enquanto a punição pecuniária não for severa o suficiente para abalar a estrutura financeira das corporações, dificilmente o poder público conseguirá eliminar do país a escravidão, principalmente no meio rural.
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