intervencionismo militar

Artigo: Poder moderador é a vontade do povo

OTÁVIO RÊGO BARROS - General da Reserva, foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército

Há um fantasma que assombra o país vestido de intervencionismo militar. Ele só deixará de ser relevante quando as relações entre civis e militares abandonarem o emocional e adentrarem o racional. Muitas coisas contribuíram para a incerteza quanto ao papel das Forças Armadas brasileiras no cenário atual, mas, certamente, boa parte das justificativas se deve à combinação de um sistema partidário fragmentado, elite civil despreocupada, governantes populistas e militares fechados em copas.

A luta contra o partidarismo dentro das Forças Armadas será essencial para que a sociedade reconheça, aprove e fortaleça o papel destinado aos homens e mulheres das armas.

A época do soldado cidadão — expressão cunhada por Rui Barbosa cuja essência era a de que aos cidadãos fardados não se podia negar o direito de participar da vida política do país — passou à história. As Forças Armadas não poderão servir como parteira de nova ordem social. Nem a sociedade dela deverá servir-se para soluções temporárias de seus problemas perenes.

A participação política, quando necessária, deverá ser liderada pelos ministros da Defesa, almirantes, generais e brigadeiros da ativa, pertencentes ao Alto-Comando de cada uma das Forças Armadas, com o foco nas missões impostas à instituição pela Constituição e outros dispositivos legais.

Como salientou José Murilo de Carvalho em sua obra Forças Armadas e a política no Brasil (Todavia, 2019): "Se a sociedade brasileira aspira a transição da categoria dos 'desordeiros' para o seleto membro do clube dos desenvolvidos e se ela precisará para tal conviver com as Forças Armadas, a receita não é a do controle civil objetivo em totalidade, tampouco da subordinação militar. Possivelmente, a de um diálogo responsável e generoso que integre o soldado na sociedade e ponha um fim à sua secular orfandade".

Talvez tenhamos que exigir que a esquerda, em sua visão utopista do mundo, aprenda a debater as questões militares e evite discursar contra o militarismo em termos abstratos, aproveitando-se de momentos confusos como esse que vivemos no 8 de janeiro para inserir suas proposituras.

Talvez tenhamos que exigir que a direita, em sua sanha de acreditar-se infalível, deixe de se assumir como protetora da ética e da moral do povo e, portanto, única patrocinadora dos bons valores a vigorarem na sociedade.

Talvez tenhamos que exigir clareza do comandante em chefe das Forças Armadas, o presidente da República, em seu papel de definidor da política militar consoante com as necessidades do Estado brasileiro.

Talvez tenhamos que exigir dos políticos nas casas legislativas federais seriedade no trato dos assuntos que envolvam defesa e segurança nacionais, pois o controle externo lhes pertence.

Os militares não são alternativas a um governo legítimo e eleito democraticamente, porquanto eles não desejam apresentar-se como tal. Não se reconhecem como poder moderador.

Já se vacinaram contra as vivandeiras acantonadas à porta de quartéis, lembrando o marechal Castelo Branco, sempre prontas a açular e indicar um caminho de confrontação em busca de se manterem, conquistarem ou reconquistarem poder.

Eles vêm dedicando esforços significativos para dar curso à estabilidade, legalidade e legitimidade — provaram isso recentemente — conceitos que as Forças Armadas precisam carregar para se fazerem respeitadas, gerando energia para cumprimento da missão maior que é defender a pátria.

Reconhecem que o Artigo 142 da Constituição Federal de 1988 é trilha a ser perseguida pelas lideranças nas Forças Armadas, tanto quanto pelas lideranças civis, considerando o espírito do tempo no qual estão acorrentadas. Um relacionamento complementar e que acate ouvir discordâncias deve ser norma entre atores institucionais.

É importante ter Forças Armadas que se sintam não só obrigadas pelas normas da Constituição em termos de deveres, mas que também se sintam alcançadas em termos de direitos pelos pares civis.

Com todo respeito àqueles que defendem a interpretação de que o Artigo 142 traz em sua redação o conceito de poder moderador por parte das Forças Armadas. Não traz!

Com todo respeito àqueles que acreditam que mudar a redação do Artigo 142 trará quietude e transparência nas relações entre civis e militares. Não trará!

O verdadeiro poder moderador é a vontade do povo, fortalecida pelo voto livre, soberano e incontestável. E, para isso, não se precisa reinterpretar nem reescrever a Constituição. Basta honestamente servi-la, civis e militares.

Paz e bem!

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