ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA - Economista e empresário, ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior da Presidência da República, é presidente da Kaduna Consultoria
Tomo aqui emprestada a icônica expressão latina inserida na bandeira mineira, "Libertas Quae Sera Tamen", que significa liberdade ainda que tardia, para afirmar o mesmo da reforma tributária, tão necessária para promover o aperfeiçoamento da economia brasileira, mas tantas vezes adiada no passado recente. Parece que desta vez vai acontecer, pois vejo a sinceridade intencional nos olhos e expressões dos agentes públicos e privados envolvidos. No entanto, restam alguns desafios no modelo a ser apresentado para aprovação do Congresso Nacional que precisam ser devidamente enunciados para evitar possíveis obstáculos na sua tramitação.
Se, por um lado, a desejada reforma objetiva simplificar a manicômica estrutura tributária que com destreza masoquista criamos ao longo das últimas décadas; por outro, corre-se o risco de acirrar conflitos distributivos latentes nos tecidos social, político e econômico da sociedade brasileira. Entre essas possibilidades, destaco os dois mais graves: primeiro entre o Fisco e os ditos contribuintes, ou seja, todos nós, pessoas físicas e jurídicas brasileiras. Promete-se a neutralidade da carga fiscal, considerada bastante alta para um país de renda média e com grave desequilíbrio na distribuição de renda. Mas, na verdade, teme-se a voracidade fiscal na calibragem das alíquotas do novo Imposto de Bens e Serviços, o qual virá substituir, num único tributo, cinco outros hoje cobrados pelos entes federados à população brasileira.
A calibragem justa e inteligente precisa levar em conta que, numa fase imediatamente subsequente, está sendo proposta a elevação da progressividade do Imposto de Renda para, com isso, abrir espaço para a redução do imposto regressivo sobre o consumo, movimento que beneficiará a grande maioria da população brasileira. Espera-se que, como ocorre com o consagrado modelo do IVA da União Europeia, no caso brasileiro seja adotado o modelo de alíquotas seletivas e diferenciadas, que possibilite uma taxação compatível com o grau de essencialidade dos diversos bens e serviços consumidos no país. A utopia da alíquota única pode, a princípio, parecer mais simples, mas trará como consequência graves distorções nos preços relativos, pressão inflacionária, maior regressividade tributária e estímulo à informalidade e à sonegação.
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Outro risco distributivo percebido se insere no contexto intersetorial, ou seja, na distribuição da carga tributária entre os setores produtivos de nossa economia. Em princípio, ao se reduzir a elevada carga tributária do setor industrial, o que é legítimo e desejável, corre-se o risco de sobretaxar os setores de serviços e agronegócios e, com isso, provocar efeitos danosos sobre o nível de demanda de bens essenciais como alimentos, serviços básicos e, consequentemente, sobre o nível de emprego e renda de grande parte da população brasileira. Isso aumentaria ainda mais a criticada regressividade da estrutura tributária brasileira, que sobretaxa mais o consumo do que a renda.
A recomendação é de fazer essa calibragem com muito critério, equilíbrio e negociação entre as confederações que representam o setor privado, buscando uma solução consensual e convergente que, ao mesmo tempo, elimine tanto quanto possível a elevada informalidade, a sonegação e as bilionárias fraudes tributárias que persistem na economia brasileira como, por exemplo, no setor de combustíveis.
Tributar investimentos e exportações é outro grave desatino da atual estrutura tributária vigente. Uma idiotice que só traz perda de competitividade internacional, alta litigiosidade jurídica e crescente insegurança jurídica ao setor produtivo. Se a reforma tributária for bem elaborada para corrigir esses equívocos disfuncionais, diversos regimes especiais, criados ao longo das últimas décadas, poderão ser revogados e se tornarem desnecessários. Está na hora de corrigirmos definitivamente essa perversa sanha fiscalista de agir contra a lógica econômica e a razoabilidade tributária.
Enfim, temos agora a histórica oportunidade de negociar à exaustão para que o modelo tributário que venha a ser aprovado seja tanto quanto possível um modelo justo, neutro, simples e factível, que traga como consequência um vigoroso estímulo ao desenvolvimento socioeconômico da nação brasileira, mesmo e ainda que tardio.