ARNALDO NISKIER - Membro da Academia Brasileira de Letras
O cantor e compositor Martinho da Vila é uma figura muito querida. Ele faz muito sucesso com as suas músicas, todas com muita inspiração, baseadas no que hoje chamamos de samba de raiz. E estendeu o seu êxito à família, como acontece com a filha Martinália. Martinho da Vila é considerado um dos maiores representantes do samba e da MPB no Brasil, com toda a razão e com todos os méritos.
Nascido em Duas Barras, Rio de Janeiro, em 12 de fevereiro de 1938, Martinho José Ferreira é filho de lavradores da Fazenda do Cedro Grande. Mudou-se para o Rio de Janeiro aos quatro anos e foi criado na Serra dos Pretos Forros. Sua primeira profissão foi auxiliar de químico industrial, função aprendida no curso intensivo do Senai. Servindo o Exército como sargento burocrata, cursou a Escola de Instrução Especializada, tornando-se escrevente e contador, profissões que abandonou em 1970 para se dedicar à carreira de cantor.
Casado com Clediomar Corrêa Liscano Ferreira (Cleo) desde 1993, é pai de oito filhos e avô de 10 netos. Como cantor e compositor, criou músicas de vários ritmos, tais como ciranda, frevo, coco, samba de roda, capoeira, bossa nova, calango, samba-enredo, toada e sambas africanos.
Sua primeira grande apresentação foi no III Festival da Record, em 1967, com a música Menina moça. O sucesso veio no ano seguinte, na quarta edição do festival, com a canção Casa de bamba, da qual fiz parte do corpo de jurados.
O primeiro disco foi lançado em 1969, intitulado Martinho da Vila. Fez parte da extinta escola de samba Aprendizes da Boca do Mato até 1965, quando passou a se dedicar à Unidos de Vila Isabel, cuja história se confunde com a do próprio compositor, autor de vários sambas-enredo. Em 1988, criou o memorável Kizomba — a Festa da Raça, garantindo para a Vila o título de campeã do carnaval carioca.
Martinho torce para o Vasco da Gama, e compôs duas músicas em homenagem ao clube do coração. Em 2009, foi lançado o documentário O pequeno burguês — filosofia de vida, que conta um pouco da vida artística e particular do artista. No fim de 2012, fez participação na série de TV Meu anjo, produzida pela produtora Telemilênio.
Em 2017, aos 79 anos, ingressou na Faculdade de Relações Internacionais da Universidade Estácio de Sá, na cidade do Rio de Janeiro, segundo ele, para "entender um pouco mais das relações internacionais em termos históricos, na teoria, já atuando havia algum tempo nessa área, como embaixador cultural de Angola e da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Frequentou as aulas regularmente e de forma presencial, cumprindo todas as exigências do curso, mas não o concluiu. Cursou até o terceiro ano (o último ano seria para preparar o aluno para o mercado de trabalho, o que não era seu interesse).
Martinho foi o primeiro sambista a ultrapassar a marca de um milhão de cópias com o CD Tá delícia, tá gostoso, lançado em 1995. Já era um compositor bastante conhecido quando voltou a Duas Barras, a convite da prefeitura, para uma festa em sua homenagem. Foi, então, que descobriu que a fazenda onde nascera estava à venda e a adquiriu.
Seu acervo de obras musicais e literárias encontra-se em Duas Barras, bem como os prêmios recebidos, entre os quais os títulos de Cidadão Carioca, Cidadão Benemérito do Estado do Rio de Janeiro, Comendador da República (Grau de Oficial) e a Ordem do Mérito Cultural (pela contribuição à cultura brasileira). Martinho da Vila recebeu ainda as Medalhas Tiradentes e Pedro Ernesto e, em 1991, o Prêmio Shell de Música Popular Brasileira.
Com reconhecido ecletismo musical, valorizado internacionalmente, Martinho lançou, em 1989, o disco O canto das lavadeiras, baseado em nosso folclore e, no ano 2000, Lusofonia, reunindo canções lusófonas mundiais. Apresentou, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em setembro de 2000, seu projeto Concerto Negro, idealizado em parceria com o maestro Leonardo Bruno, enfocando a presença da cultura negra na música erudita.
Em 1999, fundou a Editora ZFM e publicou o primeiro romance: Joana e Joanes. Escreveu, ainda, seis outros livros: Vamos brincar de política (1986), voltado para o público juvenil; Kizombas, andanças e festanças (1992), de teor autobiográfico; Ópera negra (1998), que idealiza a apresentação, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, de uma ópera que busca traçar a história do negro no Brasil; Memórias Póstumas de Teresa de Jesus (2003), que conta a vida de sua mãe; Os lusófonos (2006), no qual destaca o cruzamento das culturas de língua portuguesa; Vermelho 17, romance centrado nos conflitos, emoções e experiências de um jovem de 17 anos; A Serra do Rola-Moça, novela cujo tema central é a família Gullar Drummond, de Belo Horizonte.
O longo período de isolamento social provocado pela pandemia de covid-19 fez o lado escritor de Martinho da Vila ampliar o espaço junto ao público infantojuvenil. Autor de dois livros infantis (A rainha da bateria e A rosa vermelha e o cravo branco), publicados pela editora Lazuli, não hesitou em aceitar o convite do editor Miguel de Almeida, de quem partiu a ideia de produzir uma série de biografias de sambistas geniais para o conhecimento do público mirim.
Presença obrigatória em qualquer lista com os maiores nomes do samba brasileiro, Martinho da Vila foi encarregado de selecionar — e narrar para crianças — a história dos maiores gênios do gênero no país. Apesar de a coleção ser voltada para o público infantojuvenil, a narrativa — coloquial e agradável, características do autor — desperta interesse em todas as idades. Com ilustrações de Werner Schulz, os livros preenchem uma lacuna no mercado literário do Brasil.
Para marcar o aniversário de 85 anos, o mestre querido lançou o livro Memórias de Teresa de Jesus, pela Editora Malê. A obra narra histórias contadas pela mãe do sambista, também vividas por muitas famílias negras no país.