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Artigo: Cidades são eternas

ALDO PAVIANI - Geógrafo, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e cidadão honorário de Brasília

Muitas cidades existem desde milênios e as mais antigas possuem diversas camadas ou restos de edificações antigas, como escavações revelam na Ásia, África, Europa e nas Américas. Algumas foram destruídas em guerras entre populações precedentes e foram reconstruídas sobre os cascos preexistentes. Os atuais habitantes podem aumentar os núcleos urbanos no sentido centro-periferia ou simplesmente edificar novos núcleos, quando surge a cidade que denominei polinucleada, como é o caso de Brasília.

Ela surgiu inicialmente com um centro, que seria a cidade-núcleo — o Plano Piloto com o abrigo das instituições federais, Executivo, Judiciário e Legislativo, formando um triângulo pensado para que, mesmo separados, estivessem próximos para total colaboração e entendimento. E foi assim concebida pelo notável urbanista e arquiteto Lucio Costa e inaugurada em 21 de abril de 1960 pelo então presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.

Esse presidente concretizou, intencionalmente ou não, o que seu antecessor Getúlio Vargas havia estabelecido como a Marcha para o Oeste, isto é, o desocupado vazio demográfico brasileiro ou o Centro-Oeste e o Norte pouco povoados do país. Esse seria o coroamento de ideia antiga de se povoar a hinterlândia para contornar ocupações indesejadas pelos que tinham um olhar para essas duas grandes regiões, coisa da geopolítica getulista, afirmam alguns. Na realidade, uma visão para gerenciar o futuro com o objetivo de que ocupar essas regiões pode evitar que o cobiçado território seja objeto da ganância por parte dos que já não tenham mais terras a ocupar.

Voltando ao título deste escrito, pensa-se que, apesar de ser uma cidade jovem, Brasília está com a marca de ser eterna. Considera-se a capital do Brasil como cidade consolidada e firmemente fincada no Centro-Oeste. Ela fez avançar o povoamento e propiciou a expansão de Goiânia e de outras cidades da região. Não existem mais saudosistas que pensam o retorno das instituições federais para o Rio de Janeiro. Isso foi coisa dos anos 1960, mas a determinação de JK foi decisiva para a consolidação da ideia mudancista.

O ex-presidente jamais será esquecido, pois há inúmeros marcos e instituições que lembram seu nome: Aeroporto Internacional Juscelino Kubistchek, Ponte JK, no Instituto Histórico e Geográfico, há enorme fotografia de Juscelino sentado junto a uma árvore de porte avantajado, ao que parece próximo à estrada da integração, que é a Belém-Brasília. Essa é uma das rodovias BRs que JK implantou para ligar todos os pontos do território nacional, de norte a sul e de oeste a leste.

Todas absolutamente indispensáveis ao se tornar o Brasil um país rodoviarista, abandonando as ferrovias, que perderam alguns ramais ao longo dos anos, embora seja um país continental. Grande território exigiria grandes trechos cortados por ferrovias para o transporte de cargas pesadas e de passageiros por longas distâncias. Nisso o Brasil não seguiu a Rússia, o Canadá, os Estados Unidos da América entre outros grandes países.

Aliás, a colonização de largas porções territoriais em todos os continentes se fez por ferrovias, que, ao implantar os trilhos, foi disseminando vilas e cidades em seu percurso. Foi assim na Europa, Canadá, Estados Unidos, Rússia, China e outros países, inclusive na América Latina. Essas novas cidades foram irradiando em suas áreas de influência outros centros urbanos de importância e tamanhos diversificados. A menos que a ferrovia deixe de ser utilizada, essas cidades proporcionam o intercâmbio industrial, comercial, de serviços de utilidade para as respectivas populações, comércio e indústria. Permanecem como cidades históricas do desbravamento e de desenvolvimento por séculos e se transformam em cidades eternas.

Poucas cidades no mundo desapareceram ou foram destruídas por algum evento catastrófico, como Herculano e Pompeia, onde o vulcão Vesúvio verteu grande quantidade de lava soterrando ambas no ano de 79. Essa erupção foi uma das mais dramáticas ocorrências vulcânicas que se conhece. Todavia, na atualidade, as duas cidades são objeto da curiosidade de turistas que ainda observam vestígios da destruição, como corpos de casal abraçado ao perceberem a tragédia e viraram testemunhos petrificados pela lava e atração para visitantes e curiosos. Em razão do fatídico evento, a Itália resolveu fazer escavações e exumar os restos das antigas cidades destruídas pelo vulcão. Pode-se considerar, portanto, que Pompeia e Herculano são cidades eternas ou eternos são seus testemunhos do ocorrido no início do primeiro milênio.

 

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