EDITORIAL

Visão do Correio: Basta de feminicídios

O Brasil ocupa a quinta posição no ranking mundial de feminicídios. No Distrito Federal, nos primeiros 19 dias deste ano, quatro mulheres foram assassinadas pelos companheiros ou ex-namorados — número superior ao de janeiro inteiro de 2022. Sábado último, mais uma mulher morreu com um tiro na testa, disparado pelo ex-marido. No primeiro semestre do ano passado, 699 mulheres foram mortas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública — média de quatro vítimas por dia. A maior taxa registrada para um período de seis meses.

A legislação que tipifica o feminicídio impõe puniçõs bem mais rigorosas do que a Lei Maria da Penha. A Lei 13.104/2015 qualifica o crime como hediondo, com pena de privação de liberdade de 12 a 30 anos. Mas a alteração não inibiu a reação letal dos machistas quando contrariados. Os homens seguem tratando a companheira como objeto de sua propriedade. Quando ela decide dar um basta à relação abusiva, na maioria dos casos, está decretando a própria morte. As medidas protetivas, fixadas pela Justiça, não são obstáculo à perversidade do ex-marido ou ex-namorado. Os crimes ocorrem dentro de casa e, muitas vezes, testemunhados pelos filhos do casal. As forças de segurança pública alegam falta de recursos humanos para impedir os crimes ocorridos, em grade parte, no ambiente doméstico.

Em 2021, houve uma pífia redução de 1,7% no número de feminicídios. Em contrapartida, os pedidos de ajuda à polícia pelo Disque 190 somaram 619.353 chamados, um aumento de 4%. As agressões domésticas cresceram 0,6%, totalizando 230.861 ocorrências, e as ameças, 3,3% (597.623 casos). Foram concedidas 370.209 medidas protetivas (13,6% a mais do que no ano anterior). Em todo o país, foram mortas 1.341 mulheres. A maioria delas tinha entre 18 e 44 anos; 65,6% foram assassinadas dentro de casa; e 62% eram negras. Em 81,7% dos casos, o autor do crime foi o companheiro ou ex-companheiro, e em 14,4%, um homem da família da vítima. Essa queda nos ataques letais foi pouco significativa.

Quando não sofrem uma agressão letal, as mulheres são violentadas sexualmente: o número chegou a 66.020 vítimas — 4,2% a mais do que em 2020. A maioria — 61,3% — tinha no máximo 13 anos. Em 79,6% dos casos, o autor era conhecido da vítima. Uma tragédia inominável e reveladora da brutalidade de grande parcela do universo masculino.

Como proteger a mulher das manifestações de violência do companheiro, que se traduzem em ataques morais, humilhações, abusos sexuais, espancamentos e culminam com o assassinato? Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que dentro ou fora de casa, a mulher não tem muita segurança.

Hoje, a questão desafia as autoridades policiais e impõe ao poder público a necessidade de encontrar meios para garantir a integridade física e a vida da mulher. Impõem-se, com urgência, programas de educação da camada masculina da sociedade, sobretudo dos agressores, que reproduzem e alimentam o condenável comportamento machista, que coisifica a mulher. Urge ter delegacias especializadas em pequenas e grandes cidades, com profissionais e meios que assegurem atendimento às denunciantes de violência doméstica. Espaços adequados para acolher aquelas que não podem permancer sob o mesmo teto do agressor. É imperativo superar o atraso para o desenvolvimento de políticas em favor da vida das meninas e mulheres.

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