Artigo: A tentativa de golpe

Sacha Calmon - Advogado

Cláudio Gonçalves Couto, cientista político e professor da FGV-SP é o inspirador desse artigo. A "Revolução" de 1930, que sepultou a República Velha, se faz sem maiores sobressaltos e sem brutalidade. Em 1937, houve o golpe de Vargas, que instituiu o Estado Novo (ocorreu sem necessidade de recorrer à violência). Bastou à ordem autoritária vigente alterar a ordem constitucional, abolindo a separação de Poderes e o pluripartidarismo. O Estado Novo caiu sem necessidade de recorrer à força, quando, em 1945, Vargas ruma para São Borja e tem sua ditadura substituída pela nossa primeira democracia já que antes de 1930 a Primeira República era dos senhores de terra como no Império! Getúlio, contudo, seguiria integrado ao novo regime, do qual foi ator central até seu suicídio, nove anos depois.

Nesse espaço de tempo tivemos evento histórico mais assemelhado à intentona bolsonaresca do 8 de janeiro (o levante armado dos integralistas contra o Palácio do Catete) numa tentativa de derrubar a ditadura getulista, substituindo-a por outra fascista. As semelhanças estão na violência utilizada, contra a sede do Poder Estado (o Executivo) e na inspiração fascista claramente evidente na época. As diferenças estão no fato de que se atentava contra uma ditadura, agora o ataque ocorreu contra uma democracia, e também na condição iletrada dos fascistas de hoje se comparada ao requinte intelectual dos líderes daquele movimento (Plínio Salgado, Miguel Reale e Gustavo Barroso).

Depois disso, a maior violência contra as instituições foi o golpe de 1964 e a própria ditadura militar que originou. Novamente, nos dois casos, a incolumidade física dos Três Poderes foi preservada, embora sua integridade institucional tenha sido vilipendiada por atos institucionais e outras medidas de arbítrio - como a cassação de mandatos de representantes eleitos do povo na época era da Diretoria Central dos Estudantes e foi preso em Neves. A destrutividade é inerente ao bolsonarismo. Deu a tônica de seu governo e confere sentido ao movimento sociopolítico que lhe dá base.

A pronta reação de atores-chave do sistema — Judiciário, Executivo, Legislativo e governos estaduais — foi fundamental para sua própria preservação. Durante o quadriênio da presidência Bolsonaro, a essa reação de agora correspondeu à resistência dos atores institucionais. Governos subnacionais lutaram pela preservação de suas competências, a cúpula do Poder Judiciário pôs freios às invectivas autoritárias do Executivo e o Legislativo (sobretudo durante o biênio de Rodrigo Maia na presidência da Câmara) brecou iniciativas abusivas do presidente Bolsonaro, mormente nos Sete de Setembro!

Isso não ocorreu, no caso do procurador-geral da República, cúmplice dos abusos bolsonarescos e corresponsável pela barbárie em Brasília. Alguns governos subnacionais foram aliados do projeto autoritário do presidente, entre eles o de Minas Gerais.

Contudo, no conjunto, o sistema institucional, submetido a estresse, foi capaz de resistir — e, se não o fizesse, comprometeria sua própria sobrevivência política.

Tal resistência não ocorreu sem custos. Pesquisa feita logo após o 8 de janeiro mostra que 40% dos brasileiros acreditam na hipótese tresloucada de fraude nas últimas eleições. Uma mentira repetida milhões de vezes soa como verdade.

Contingente não desprezível deles acredita haver motivos legítimos para a intentona bolsonaresca. São brasileiros desinformados, entupidos de ódio e frustrados na vida! Em Brasília havia bandidos e muitos neuróticos violentos. Vazaram ódio e destruição jamais vistos entre nós. Essa é a própria natureza de Bolsonaro, o estúpido líder inspirador dessa violência.

O bolsonarismo foi bem-sucedido na tarefa de erodir significativamente a legitimidade das instituições do Estado, não há como duvidar.

É sobre essa legitimidade que se assenta a própria capacidade das instituições de continuarem operando. Não há motivos, para garantir que assim continue sendo, sem uma resposta dura, exemplar da legalidade contra a barbárie. É preciso aproveitar a força do momento, para sepultar o bolsonarismo.

E fazer uma varredura nas Forças Armadas. É preciso ser como nos Estados Unidos de quem copiamos a República, o Federalismo e a democracia. Lá as FFAA não dão pitacos e nunca interferiram na vida da República. É preciso reformulá-las com urgência. Existem para a democracia e o país no plano internacional. A vida civil lhes é interditada, menos o voto. Os acampamentos em frente aos quartéis deveriam ser dissolvidos de pronto pelo exército. Se fizeram de rogados. Devem voltar a fazer cursos nos EUA e na França. Aqui não é Venezuela nem Hungria.

A nação cobra a ida para a reserva de generais, coronéis e majores omissos. Brasil e brasileiros acima de todos. Militar é servidor público. Portam armas para defender a democracia e não para nos ameaçar. E deviam estar trabalhando duro na Amazônia, tão precisada de nossas formas armadas, garantidoras de sua integridade.

 

Mais Lidas