Economia

Artigo: Europeus exigem controle da inflação

A Europa vive momentos conturbados com a alta da inflação. Ao contrário dos Estados Unidos, onde o custo de vida está recuando de forma mais rápida, no Velho Continente, os preços continuam subindo e aterrorizando a população, sobretudo a mais vulnerável. Não à toa, milhares de cidadãos têm tomado as ruas em protestos contra os governos, exigindo ações concretas para conter a carestia e cobrando reajustes salariais para repor as perdas acumuladas nos últimos anos. Os grupos mais organizados, como servidores públicos, em especial os professores, enfermeiros e funcionários do setor de transportes, vêm fazendo greves diárias, provocando transtornos e abalando a popularidade de autoridades.

No Reino Unido, onde o custo de vida insiste em ficar próximo de 10% ao ano, mais de um terço da população está em situação de vulnerabilidade. Famílias têm sido obrigadas a escolher se pagam as contas de energia ou colocam comida dentro de casa. Na semana que passou, os sistemas de trens e metrô pararam, porque os operadores cruzaram os braços. O movimento levou mais de 500 mil pessoas a protestarem, o que não se via desde 2011, quando servidores suspenderam o trabalho em meio a uma negociação sobre reforma previdenciária. O problema é que, agora, a inflação entrou no jogo. Os países europeus não lidavam com esse cenário de preços em alta desde o final da Segunda Guerra Mundial.

A insatisfação aumenta porque as respostas dos governos, quando vêm, ficam muito aquém do esperado pelos trabalhadores. As administrações públicas estão sem margem de manobra para dar reajustes ou mesmo para evitar reformas que precisam ser realizadas, como na França. Com a popularidade em queda, o presidente Emmanuel Macron encampou projeto que prevê o aumento da idade mínima para aposentadoria, de 62 para 64 anos, até 2030. O repúdio à proposta tem alimentado manifestações constantes, de mais de 1 milhão de franceses nas ruas, parando tudo. A tendência, por sinal, é de o engajamento aos protestos crescer ante à irredutibilidade do governo.

Espanha e Portugal também veem o descontentamento da população aumentar, com greves constantes. Na esteira da insatisfação, os partidos de extrema direita, com um discurso populista, angariam apoiadores, tornando-se forças relevantes dentro do Parlamento. No Congresso português, o Chega já detém a terceira bancada, exalando xenofobia e preconceitos contra imigrantes. No Legislativo espanhol, o Vox desbancou legendas tradicionais e assumiu a terceira posição em tamanho. A forma dessas agremiações atuarem é idêntica ao movimento que se viu no Brasil e que resultou na eleição de Jair Bolsonaro e aliados.

Com tantas dificuldades a enfrentar, agravadas pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia, a Europa terá de rever boa parte dos programas que garantem o bem-estar social. A região é a menos desigual do mundo, justamente porque, ao longo de décadas, priorizou os menos favorecidos dando educação de qualidade. Como dizem especialistas, o Velho Continente acostumou seus cidadãos a terem dignidade. Agora, no limite, os países necessitam cortar benefícios, mas não sabem como fazer, ainda mais num momento em que a inflação, agravada por uma crise energética, solapa o poder de compra das famílias.

A Europa ainda está distante de ter seus dias de América Latina, região que, por anos, conviveu com preços descontrolados — no Brasil, o custo de vida chegou a passar de 89% ao mês. Felizmente, esses tempos terríveis ficaram para trás. Mas, para gerações europeias que sempre conviveram com a estabilidade e a previsibilidade, ativos dos quais nunca se pode abrir mão, o quadro atual é estarrecedor. E deve ser revertido rapidamente pelas autoridades, sob o risco de convulsões sociais. Com inflação não se brinca. Onde ela chega, corrói o poder de compra, desestrutura a economia e sustenta movimentos extremistas, que sabem tirar proveito das mazelas alheias. Passou da hora de os países do Velho Mundo enfrentarem, de verdade, a carestia.

 

Mais Lidas