PAULO OCTÁVIO - Empresário, foi deputado federal e senador
O excelente debate "Entre os Eixos do DF", organizado pelo Correio Braziliense na última segunda-feira, foi uma oportunidade ímpar para que personagens da história da cidade pudessem discutir a importância da criação do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), instrumento que consolidou a emancipação política da nossa capital. Ao lado de companheiros importantes da história política dos anos 1990, como o deputado Chico Vigilante (PT) e o ex-secretário Everardo Maciel, e após o pronunciamento da governadora em exercício, Celina Leão, pude narrar a trajetória que tornou realidade a independência financeira de que Brasília tanto precisa.
Para tanto, é preciso lembrar um pouco de nossa história. Brasília, até o final da década de 1980, nem sequer possuía autonomia política e dependia de recursos liberados pela União. Mas a Constituição Cidadã de 1988 veio corrigir as duas distorções, já que nos deu o direito de eleger nossos representantes e dispôs, em seu artigo 21, que competia à União organizar e manter "a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal".
A autonomia política veio nas eleições de 1990, com a escolha de Joaquim Roriz e Márcia Kubitschek para comandar o GDF e dos senadores, deputados federais (grupo que tive a honra de integrar) e 24 deputados distritais. Mas faltava como regulamentar a questão dos recursos, e os primeiros passos para o FCDF foram dados no começo da década de 1990.
Naquela época, era comum a romaria de governadores e secretários de Fazenda no gabinete presidencial, em busca de verbas para suas administrações. Como a Constituição determinava, era preciso acabar com a política do pires na mão e proporcionar recursos fixos para atender áreas estratégicas de uma unidade federativa como o DF, que tem a responsabilidade de proporcionar segurança, saúde e educação de qualidade a seus cidadãos e aos que vêm para Brasília servir a seus estados e países.
Na minha segunda eleição a deputado federal, em 1998, sem que a questão tivesse sido resolvida em definitivo, entendi que era chegada a hora de dar um fim a esse constrangedor exercício de dependência crônica, que transformava os governadores eleitos em reféns do poder central. Já no final do primeiro mandato do FHC, comecei a estabelecer estratégias para viabilizar, em definitivo, uma forma de custear despesas importantes para a cidade. Dessa maneira, em 17 de março de 1999, apresentei na Câmara dos Deputados o PLP 11/1999, que criava o que chamei de Fundo de Assistência Financeira do DF (Fafi-DF).
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Demorou mais de um ano para que o relatório do deputado José Ronaldo, com parecer favorável, fosse aprovado na Comissão de Finanças e Tributação em 28 de junho de 2000. A partir daí, haveria a necessidade de aprovação na Comissão de Constituição e Justiça, o que só viria a ocorrer em 20 de março de 2002, quando foi aprovado o relatório do deputado Ney Lopes.
Nesses três anos de negociações a pareceres, entendemos que a criação do Fundo Constitucional do DF precisaria ter uma chancela direta do Palácio do Planalto. Assim, após várias visitas aos ministros Pedro Malan, da Fazenda, e Pedro Parente, da Casa Civil, entendemos que o Poder Executivo poderia fazer tramitar uma proposta paralela, reforçando nosso objetivo.
Foi assim que, em 19 de junho de 2002, o Poder Executivo apresentou na Câmara dos Deputados o projeto que criava o FCDF, o PL 7015/2002. Nosso trabalho de legisladores — e aí incluo os demais colegas de bancada à época — deu lugar ao de negociadores com as várias instâncias de poder. Nesse sentido, o 31 de outubro de 2002 foi decisivo. Nessa data, tive uma reunião com o então presidente da Câmara dos Deputados para pedir agilidade na votação do projeto, visto que o governo do presidente Fernando Henrique estava entrando em seus últimos meses.
Aécio Neves, então presidente, demonstrou muito apreço por Brasília, até por entender o papel estratégico da capital para o desenvolvimento da nação e pelos laços mineiros que unem as famílias Neves, Kubitschek e Alves Pereira. E aproveitou o trabalho do PLP 11/1999, de minha autoria, para fazer com que a tramitação do PL 7015/2002 fosse acelerada.
Dessa forma, em 6 de novembro de 2002, o projeto foi aprovado na Comissão de Finanças e Tributação, graças também ao brilhante relatório do saudoso amigo e então deputado federal Jofran Frejat. Três semanas depois, o relatório do deputado Léo Alcântara passou na Comissão de Constituição e Justiça e estava pronto para ir a plenário.
E foi histórica a sessão de 11 de dezembro de 2002, quando, às 22h40, o PL 7015/2002 foi aprovado no Plenário da Câmara, após parecer do deputado Pedro Celso, da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público. A diversidade de correntes políticas que trabalharam em favor da aprovação na Câmara está expressa no nome dos que votaram a favor — e que fizeram todas as articulações possíveis para aprová-lo. Além de mim, estavam a favor Agnelo Queiroz, Jofran Frejat, Wigberto Tartuce, Pedro Celso, Geraldo Magela e Tadeu Filippelli. Deputados dos mais diferentes partidos e linhas ideológicas, todos unidos por Brasília.
Mas o trabalho ainda tinha duas etapas a vencer. A primeira era ser aprovado em tempo no Senado, Casa na qual chegou em 12 de dezembro de 2002. Cinco dias depois, eu e o governador Joaquim Roriz, então no PTR, fomos recebidos em audiência pelo presidente Ramez Tebet, saudoso senador e pai da atual ministra do Planejamento, Simone Tebet. Com ele, conseguimos articular a votação direto no Plenário do Senado, sem qualquer emenda à proposta aprovada, graças ao trabalho dos senadores Lindberg Cury, relator pela CCJ, Luiz Otavio, responsável pelo relatório na Comissão de Assuntos Econômicos.
Assim, antes do fim do ano legislativo, o projeto foi aprovado nas duas casas e seguiu para a última etapa: a sanção presidencial. Em reunião histórica com o presidente FHC, conseguimos sua assinatura, em 27 de dezembro de 2002, na lei que criou o fundo — a norma acabou publicada no Diário Oficial da União do dia 30 de dezembro de 2002.
Na época, o valor do Fundo Constitucional do DF girava em torno de R$ 2,7 bilhões, soma bastante expressiva. Este ano, o FCDF vai garantir aos cofres da capital um total de R$ 23 bilhões. É um patrimônio que Brasília não pode perder, apesar de causar certo incômodo nos outros entes federativos. Graças a esse valor, atendemos bem aos brasileiros que correm à capital em busca de saúde pública de qualidade.
Proporcionamos boas escolas aos nossos alunos, cidadãos que vão construir o país no futuro. E podemos garantir a segurança necessária a todos que aqui vivem, desde o morador do ponto mais remoto do nosso território até o representante diplomático, passando pelo próprio presidente da República e seus ministros.
Por isso tudo, o DF precisa que o Fundo Constitucional não seja alterado, nem sua autonomia política sofra qualquer tipo de arranhão. As investigações sobre os lamentáveis atos de vandalismo e de ameaça ao Estado Democrático de Direito estão em curso, mas em nome do equilíbrio que a Justiça precisa ter, não podemos ferir os preceitos constitucionais. O resultado das urnas precisa ser respeitado. A nossa autonomia política e econômica é necessária, em defesa de uma palavra fundamental para o país: democracia. Por ela lutamos tantos anos. Dela, não vamos desistir nunca.