JOSÉ PASTORE — Professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo
ANTONIO GALVÃO PERES — Advogado, mestre e doutor em direito do trabalho pela Universidade de São Paulo
No ano passado, foi revelado, neste espaço, um doloroso inconformismo com a conduta de grande parte dos juízes do trabalho que concede de forma indiscriminada o benefício da justiça gratuita a quem pode pagar (José Pastore, Justiça gratuita para quem pode pagar, Correio Braziliense, 4/3/2022).
Nas ações judiciais, a Constituição de 1988 e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) exigem que a parte comprove não ter recursos para pagar as despesas do processo judicial e os honorários de sucumbência aos advogados do adversário. Muitos juízes, entretanto, dispensam essa comprovação, aceitando mera declaração da parte e, muitas vezes, nem isso. Alguns concedem o benefício inclusive quando a declaração entra em conflito com a prova de recursos que não é difícil de obter.
A reforma trabalhista de 2017 deixou bem claro: os que ganham menos de 40% do teto dos benefícios da Previdência Social (cerca de R$ 3 mil mensais) recebem automaticamente o benefício da gratuidade, o que inclui quase 85% dos trabalhadores brasileiros. Em tese, não haveria necessidade de ampliação indiscriminada.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que trechos de artigos que tratam da gratuidade na forma acima indicada (790-B e 791-A da CLT) são inconstitucionais. Isso não significa autorização para a concessão da gratuidade de forma generalizada, como vem sendo interpretado por vários magistrados. Mesmo quem faz jus ao benefício pode ser condenado em honorários, ainda que com condição suspensiva.
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Nos debates realizados na Alta Corte durante o exame da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.766, o ministro Alexandre de Moraes, que deu o voto vencedor, deixou claro que a Justiça Gratuita ainda pode ser negada a depender do montante que o empregado receber na própria reclamação trabalhista. Ao contrário do que muitos dizem, apenas foi extirpada a determinação de cessação automática do benefício.
Na prática, essas nuances têm sido desrespeitadas por um tipo de conduta que conspira contra o esforço de moralização do processo judicial trabalhista trazido pela reforma de 2017. As regras ali estabelecidas estavam levando os advogados a agir com maior cuidado e respeito ao Poder Judiciário, colocando nas petições apenas os pleitos que efetivamente justificavam o julgamento. Dessa forma, protegeram-se a Justiça e os magistrados contra as enxurradas de pedidos improcedentes que eram apresentados com frequência nas varas e nos tribunais por não incorrerem em nenhum custo.
Qual é o resultado de todos esses equívocos? Durante o ano passado, a Justiça do Trabalho de São Paulo teve 331.386 processos de primeiro grau — um aumento de 12% em relação a 2021, quando foram distribuídas 288.592 ações nas varas do trabalho. A continuar dessa forma, voltaremos, em breve, à situação desregrada que reinava antes da Lei 13.467/2017, na qual petições padronizadas pelo computador apresentavam dezenas de pleitos descabidos, tomando o tempo dos juízes e dos servidores da Justiça do Trabalho, perdendo-se, assim, todo o esforço de racionalização do processo judicial. Esse foi o propósito da reforma trabalhista aprovada em 2017 ao exigir a comprovação da falta de recursos como manda o artigo 5º, LXXIV, da Constituição de 1988.
Com a proliferação da conduta dos juízes que desprezam esses princípios, até mesmo o Estado está sendo onerado, uma vez que os magistrados passam para o governo o pagamento dos serviços de peritagem e outras despesas. A gratuidade da Justiça não se justifica para quem pode pagar. É verdade que boa parte das ações trabalhistas refere-se a valores modestos em vista dos baixos salários praticados do Brasil. Mas há os casos de demandas que redundam em sentenças de vários milhões de reais. Não parece justo que esses profissionais tenham o benefício da gratuidade e deixem a conta no colo do Estado e da parte contrária.