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violência doméstica

Artigo: Rede furada para crianças e adolescentes

Criança, Infância, menino -  (crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press.)
Criança, Infância, menino - (crédito: Fernando Lopes/CB/D.A Press.)
postado em 27/02/2023 06:00 / atualizado em 27/02/2023 08:23

Há semanas, não sai da minha cabeça a história de duas crianças. Soube de uma delas por meio do artigo da colega-amiga Cida Barbosa, em que ela tratou da violência doméstica e estrutural que levou Sofia, 2 anos, à morte. A criança foi alvo da fúria e da insensatez dos pais, e do descaso do serviço médico. Por 19 vezes, ela foi atendida no hospital com marcas e lesões indicativas de agressões. Mas quem a atendeu no serviço médico foi negligente. Tanto foi assim que não denunciaram as agressões às autoridades. Sofia morreu, quando poderia ter sobrevivido se as providências exigidas pelo caso tivessem acontecido antes. O casal foi preso e, passado algum tempo, ganhará a liberdade.

Volta e meia, penso na menina de 12 anos, que vive no interior do Piauí, grávida pela segunda vez, vítima de abuso sexual — aos 10 anos, ela foi estuprada e engravidou. A mãe teria recusado a possibilidade do aborto legal, previsto para o caso. Ela teria sido convencida pelas autoridades que a filha poderia morrer na intervenção para interromper a gravidez. O primeiro bebê tem pouco mais de um ano. A menina terá outro filho em breve, resultado do hediondo ato do tio, que se encontra preso. Qual será o futuro dessa menina?

No sábado, conheci a psicóloga Neusa Maria, especialista em saúde mental, co-fundadora do projeto Eu me protejo (www.eumeprotejo.com). Ela atua em Ceilândia e Sol Nascente, a mesma região focada pela entidade em que trabalho como voluntária desde 2017. Ela presenteou a instituição com dezenas de cartilhas — Eu me protejo porque o corpo é meu —, editadas pela Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, que ensina a meninada a conhecer o seu corpo e a se prevenir da violência sexual.

Ante os dois casos que me perturbam, perguntei a Neusa sobre a rede de proteção das crianças e adolescentes. Hoje, no Brasil, quase 70% dos casos de violência sexual são contra meninas com menos de 13 anos — e as negras são a maioria —, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os especialistas reconhecem que há uma subnotificação, pois a família tenta proteger o agressor que, normalmente, tem laços de parentesco com a vítima.

Para Neusa, a rede de proteção precisa ser reorganizada. Os conselhos tutelares atuam na garantia dos direitos, e não na prevenção das tragédias. Entre os vários motivos do esgarçamento da rede, um deles é a desarticulação das instituições dedicadas à proteção e à defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Há outros de caráter estrutural, como a extrema pobreza, que induz os menores ao trabalho precoce, devido à fome, e a gestão dos sistemas de educação, saúde, assistência social e até de justiça.

Espera-se que o poder público, sob nova gestão, tenha um novo olhar para crianças e adolescentes. Nada adianta dizer que eles são o futuro do país, quando, hoje, elas vivem uma realidade massacrante e violenta. É preciso dar um basta à hipocrisia institucional.

Obs: entidade em que trabalho: Ação Social Caminheiros de Antônio de Pádua (AscapBsB)

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