Ilka Teodoro - Advogada, ex-administradora do Plano Piloto, especialista em direitos humanos
Nos últimos anos, apesar de o intervalo obrigatório por causa da pandemia da covid-19, o Distrito Federal tem reafirmado sua vocação para o carnaval, cultura e a economia criativa. Ter conhecido de perto esse universo, nos quatro anos em que permaneci na Administração Regional do Plano Piloto, foi transformador para minha visão sobre a festa. São inúmeros blocos tradicionais e escolas de samba que resistiram a décadas de falta de incentivo e apoio, diversas iniciativas e bloquinhos mais recentes que brotaram, apesar da aridez do território, ocupando espaços públicos e privados com alegria, imaginação e muita disposição.
Reduzir o carnaval às estatísticas e números de movimentação da economia local, ocupação hoteleira e empregos gerados é limitar o significado de uma festa que se confunde com a existência urbana no Brasil. Carnaval é samba, capoeira, pagode, axé, percussão, afoxé, ijexá, frevo, forró, maracatu, baião, xote, xaxado, carimbó, coco, lundu e maxixe, galhos de uma matriz frondosa que se espalhou por todo o país, nutrida por águas e adubos ancestrais. A música dá a liga para todo tipo de manifestação carnavalesca, e em cada ritmo que se dança e ouve está o DNA afro-indígena.
Carnaval é a celebração do povo para o povo. Do indivíduo em meio à sua coletividade. Da interdependência e alegria construída e batucada a várias mãos. O bloco do eu sozinho não vai para a rua. São comunidades inteiras que trabalham o ano todo para folia. São artistas e negócios que programam a agenda e funcionam a partir da festa de Momo. São famílias que vivem o ano todo da renda gerada nos quatro dias de magia. É o ano que começa para valer só depois do carnaval.
Botar o bloco na rua, pisar na avenida ou brotar no baile é sonho realizado no plural, emoção que contagia e corações que pulsam no mesmo ritmo da percussão. Carnaval é o banho de sol do corpo aprisionado. A liberdade do trabalhador. O balançar dos corpos reprimidos. A fiança que liberta o grito preso na garganta. A fantasia que desvela os desejos. O lavar da alma.
O ano se rende aos quatro dias de festa plena. Ainda que se diga o contrário, carnaval e fé se entrelaçam. Já dizia o poeta que um bom samba é uma forma de oração. Nas narrativas da festa dita pagã, estão presentes es elementos de culto das religiões de matriz africana. Carnaval é pedagógico. E o Distrito Federal criou sua tradição. Tem carnaval, tem pré e tem pós.
Os tradicionais: ARUC, Acadêmicos da Asa Norte, Unidos da Vila Planalto, Pacotão, Bola Preta de Sobradinho, Mocidade Independente do Gama, Águia Imperial da Ceilândia, Gaviões da Fiel e Taguatinga, Mamãe Taguá, Asé Dudu, Raparigueiros, Galinho e Pintinho de Brasília, Baratona, Baratinha e outros que a comunidade carnavalesca me ajudará a lembrar. Os mais novos que desfilam nas plataformas do SCS, Praça dos Prazeres, SBN, Galeria, Calaf, Conic, Ponta Norte, Infinu, Babilônia, Renato Russo, Eixo Ibero Americano (ex-Funarte), Mané Garrincha e demais regiões administrativas. Muitos seguem em cortejo pelas ruas da cidade, num movimento orgânico e contagiante.
Brasília tem uma lei só para os festejos — 4738/2011 —, que instituiu o carnaval como evento oficial, devendo o Governo do Distrito Federal proporcionar a infraestrutura, os serviços públicos de apoio e a divulgação necessários à sua realização.
A lei é um reconhecimento da importância do carnaval na identidade brasileira. Como instrumento de catarse coletiva que promove alegria e bem viver. Como estratégia de escape da realidade ainda desigual e opressora. Como política pública de construção de esperança de uma quarta-feira sem cinzas. Como ferramenta de enfrentamento ao racismo, de equidade e inclusão.
Fazer valer a lei é deixar as ruas se ocuparem pelo povo. Inundando de alegria e barulho das fanfarras e baterias nota 10. Com o Estado garantindo a segurança e o xixi de quem brinca. Sem violência, sem assédio, sem repressão, sem horários, sem amarras. Dialogando com quem faz a festa, com a antecedência necessária. Com educação patrimonial — carnaval é patrimônio sim!, melhor formação da polícia, campanhas informativas, financiamento adequado, inteligência e planejamento. O carnaval do ano seguinte começa na Quarta-Feira de Cinzas do carnaval que se encerra. E não adianta tentar evitar. Carnaval é estratégia. É imparável. O povo brasileiro sempre se reinventa. E o brasiliense é criativo!
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