DIMAS COVAS - Médico hematologista, professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e diretor-presidente da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto
Não há planejamento bem fundamentado que proponha uma política nacional de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) dissociada de uma política industrial e de um projeto nacional de desenvolvimento econômico e social. A economia mundial cada vez mais é dependente de CT&I em praticamente todos os setores, mas especialmente na área da indústria de produtos para a saúde humana. Nesse caso, políticas de CT&I são fundamentais, mas precisam estar integradas e coordenadas no Ministério da Indústria, recém-instituído, à semelhança do que ocorreu e ocorre em outros países.
Países assemelhados ao Brasil que mais rapidamente têm se emparelhado aos países mais desenvolvidos usam a CT&I de forma pragmática em favor de um projeto nacional consistente em suas estratégias de desenvolvimento econômico e social, a chamada mission-oriented innovation. A China, o Japão, a Coreia do Sul e a Índia são exemplos eloquentes e que muito têm a ensinar nesse terreno.
Nos últimos 20 anos, o Brasil construiu um arcabouço regulatório legalmente sólido e suficiente para destravar e fazer avançar a indústria baseada em tecnologias inovadoras, como as biofarmacêuticas. As universidades, os setores públicos de pesquisa e inovação e o setor privado têm a seu dispor as ferramentas legais que facilitam a sua integração na chamada tríplice hélice: academia, Estado e indústria. Entretanto, o que foi planejado não foi executado efetivamente ou se perdeu no cipoal da burocracia estatal. O país ainda perde muito tempo tentando controlar e documentar suas ações e atividades inovadoras do que de fato executando-as.
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Outra miopia nacional é a crença de que é possível controlar ou mesmo induzir a inovação em larga escala em um país dependente quase que totalmente de recursos de CT&I externos e com escasso capital de risco disponível. Inúmeras tentativas e mecanismos de fomento já foram e estão sendo usados, mas a dependência quase que total do país de insumos e produtos tecnológicos importados, como produtos farmacêuticos, vacinas e produtos biofarmacêuticos, demonstra a ineficiência desses mecanismos.
O caminho é outro e depende de uma política deliberada de emparelhamento tecnológico com robustos investimentos na implantação urgente de uma indústria nacional apta a produzir, no caso da saúde, os biossimilares e as terapias avançadas cujo acesso da população hoje é limitado pelo elevado valor, tanto no sistema de saúde público como no privado, situação que vai piorar nos próximos anos.
Para melhorar esse cenário, é necessário adotar atalhos no processo de desenvolvimento industrial produtivo e construir mecanismos sólidos para vencer os inúmeros "vales da morte" que impedem ou dificultam a translação do conhecimento e tecnologia gerados no país para a indústria a quem cabe efetivamente transformá-los em produtos social e economicamente relevantes. "Atalho" aqui significa construir estruturas produtivas maduras, adquiridas integral ou parcialmente e licenciar ou comprar a tecnologia necessária no mercado internacional para uso nacional imediato ou em curto prazo.
Não temos mais tempo, no atual estágio de desenvolvimento do país, de esperar o longo ciclo de desenvolvimento industrial produtivo adotado até aqui, como as PDPs, PPPs ou encomendas tecnológicas de produtos complexos como anticorpos monoclonais, vacinas, biossimilares e produtos de terapias avançadas. O país necessita de mecanismos mais rápidos e efetivos, incluindo financiamentos e programas especiais por parte do BNDES, Finep e outros agentes.
Por seu lado, devem-se aproveitar as imensas oportunidades de incorporação de produtos tecnológicos, como os biossimilares, disponíveis para venda ou licenciamento nos milhares de startups distribuídas no mundo, principalmente na China, Índia e Coreia do Sul. São acordos de licenciamentos ou que envolvam a capitalização, compra ou formação de joint-ventures com essas startups para produção nacional em curto espaço de tempo é um atalho possível.
Inovação e produção ocorrem na indústria; a academia e os órgãos de P&D geram invenções e formam pessoal, mas não lhes cabe a construção de políticas de inovação e tecnologia a não ser de forma assessora. A refundação do Ministério da Indústria que seja forte em políticas de inovação e tecnologia pode significar nova fase no projeto de desenvolvimento nacional com diminuição da dependência extrema que vivemos hoje, principalmente na questão de fármacos, vacinas, biofármacos e terapias avançadas. Política Industrial e política de CT&I se superpõem em vários pontos, mas são distintas. O Brasil precisa de uma política industrial robusta e ambiciosa para o setor de biotecnologia em saúde humana.