RODRIGO QUEIROGA - Advogado e mestre em direito constitucional
O Brasil é um país pacífico, sem guerra e sem conflitos com grupos extremistas. No último dia 8 de janeiro, a população brasileira e, principalmente, a brasiliense assistiu a grupos extremistas, de outras localidades do nosso território, depredarem e invadirem os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, estruturas nas quais funcionam os nossos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e, sobretudo, emblemas da nossa democracia. Em decorrência dos ataques vândalos, houve o afastamento de Ibaneis Rocha do cargo de governador do Distrito Federal, com a justificativa de que a medida era necessária para apurar eventuais omissões na função de autoridade máxima do Distrito Federal.
Os eventos criminosos ocorridos em Brasília são, de fato, graves, inaceitáveis e repugnantes, pois feriram a história da nossa nação e do nosso povo que tanto lutou para recuperar a força das instituições democráticas. Contudo, apesar da gravidade do episódio, medidas extremas — como é o caso do afastamento do chefe do Executivo local — devem ser sempre embasadas por provas irrefutáveis e cabais que indiquem claramente a existência de uma conduta dolosa ou omissiva. Porém, nesse caso, não restou demonstrada omissão ou dolo por parte do governador do DF.
O afastamento do chefe do Executivo local e a consequente suspensão liminar de seu mandato eletivo simbolizam um cenário de insegurança jurídica, de enfraquecimento da democracia e, principalmente, de desrespeito à vontade política do povo. Em casos semelhantes, o Poder Judiciário afirma que se trata de verdadeiro conflito de valores: se, por um lado, os agentes públicos devem ser investigados para apurar eventual dolo ou omissão em sua conduta; por outro viés, a vontade popular e o voto dos cidadãos devem ser respeitados, pois se tratam de premissas máximas da nossa Constituição Federal.
Não podemos esquecer que o governador foi eleito democraticamente, ainda em primeiro turno, para um mandato eletivo de quatro anos, ou seja, o afastamento do chefe do Executivo local prejudica os próprios cidadãos brasilienses que, dia após dia, não têm o exercício do seu legítimo representante. Nesse sentido, cada dia sem o pleno exercício do mandato eletivo afeta a população brasiliense, com um flagrante risco de dano irreparável, uma vez que a vontade popular, expressa nas urnas, não está sendo respeitada nem exercida e não há possibilidade de restaurar os dias transcorridos fora do mandato.
Saiba Mais
Além da soberania popular ter sido enfraquecida, ressalta a vulnerabilidade dos partidos políticos, na medida que seus representantes partidários não exercem integralmente o mandato. Passaram-se mais de 30 dias desde o afastamento do governador e, até o presente momento, não existem provas robustas e cabais capazes de demonstrar, minimamente, o envolvimento de Ibaneis nos ataques criminosos do dia 8 de janeiro. Muito pelo contrário, o relatório das investigações da Polícia Federal aponta que não houve omissão ou conivência por parte do chefe do Executivo local.
Na investigação, foi esclarecido que o governador fez e recebeu 36 ligações telefônicas entre os dias 7 e 8 de janeiro, fazendo contatos constantes com a vice-governadora; com o então secretário-executivo de Segurança Pública do DF; com o ministro da Defesa; com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; e com o ministro da Justiça. Em seu depoimento, Ibaneis afirma que foi totalmente surpreendido com o rumo dos acontecimentos: a seu ver, uma manifestação, inicialmente pacífica, tornou-se, subitamente, uma cena de terror com depredações e violência.
Em conclusão, o relatório da Polícia Federal aponta que, pelas provas coletadas e devidamente analisadas, não houve omissão por parte de Ibaneis Rocha, isto é, o governador não omitiu informações às autoridades de segurança pública e não impediu a repressão do avanço dos manifestantes durante os atos de invasão e vandalismo.
Desde o início, o afastamento do governador não possuía nenhum respaldo legal, pois inexistiam provas robustas capazes de indicar uma conduta dolosa ou omissiva de sua parte. Agora, o cenário é ainda mais grave porque existem provas que demostram a ausência de responsabilidade do chefe do Executivo local nos acontecimentos criminosos do dia 8 de janeiro. Ou seja, caso Ibaneis permaneça afastado do cargo, estaremos diante de uma injustiça sem precedentes.
Nessa conjuntura, a Suprema Corte assevera que "o afastamento cautelar do agente de seu cargo somente se legitima como medida excepcional, quando for manifesta sua indispensabilidade, em respeito à prevalência da soberania popular". Portanto, para que não configure um ato antidemocrático, deve-se garantir o pleno exercício do mandato eletivo, como forma de privilegiar a vontade popular e proteger os direitos políticos dos próprios cidadãos, os quais elegem um candidato e esperam o exercício integral de seu mandato. E que os atos criminosos praticados em 8 de janeiro sejam devidamente apurados, em obediência ao princípio constitucional do devido processo legal, e punidos na conformidade da nossa lei.
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br