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Opinião

Artigo: Jornais negros e outros no Rio Grande do Sul

Os jornais dos negros no século 19 e início do 20 tinham como protagonistas os próprios negros mais bem-sucedidos em parceria com brancos abolicionistas ou simpatizantes

pri-1802-opiniao Opinião -  (crédito: Caio Gomez)
pri-1802-opiniao Opinião - (crédito: Caio Gomez)
postado em 18/02/2023 06:00

ANTÔNIO CARLOS CÔRTES — Advogado, psicanalista, membro da Academia Rio-grandense de Letras

Os jornais dos negros no século 19 e início do 20 tinham como protagonistas os próprios negros mais bem-sucedidos em parceria com brancos abolicionistas ou simpatizantes. É preciso registrar com realce o ano de 1814 e o nome do sul-rio-grandense Hipólito José da Costa (1774-1823), patrono da imprensa brasileira, o primeiro na defesa da abolição.

Seu jornal, Correio Braziliense, editado em Londres (1808-1822), defendia a ideia do uso de máquinas modernas em vez do uso vil de escravizados. Também sugeriu a vinda de imigrantes europeus em face do término das guerras napoleônicas, dada a necessidade de prover empregos para aqueles. O jornal era editado no exterior porque a Censura Régia de 1747 proibia tipografias na colônia. Hipólito criticava o fato de que, mesmo após a Independência (1822), os redatores ficassem mudos à continuação da escravatura.

Em Rio Grande (RS), em 1832, o jornalista Francisco Xavier Ferreira (1771-1838), o Chico da Botica, também foi pioneiro com seu O Noticiador (1832-1836), cuja linha editorial combatia o tráfico negreiro. A Sociedade Parthenon Literário (1868), em Porto Alegre, tinha no período do Império figuras ímpares como Apolinário Porto Alegre (1844-1904), Caldre Fião (1824-1876), Luciana de Abreu (1847-1880) que lutavam pela abolição. Essa entidade tinha o seu Centro Abolicionista. Lecionavam curso noturno de alfabetização de negros. A Revista do Parthenon Literário (1869-1879) foi a mais importante publicação do século 19.

Tivemos ainda A Federação (1884-1937) e A Reforma (1869-1912). O primeiro jornal, ligado ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), de Júlio de Castilhos (1860-1903), que, como Rui Barbosa, preconizava abolição sumária, sem indenização, pois se alguém a merecia eram os escravizados, e não seus donos. Porém, A Reforma, de Gaspar Silveira Martins (1835-1901), do Partido Liberal, defendia abolição lenta egradual para não causar prejuízo aos fazendeiros.

Depois da Proclamação da República (1889), circulou, em 1892, em Porto Alegre, O Exemplo. Combatia o preconceito racial. Dirigido por negros, circulou até 1930. Arthur de Andrade, Experidião Calisto, Tácito Pires e Alcibíades dos Santos eram seus redatores. Ainda que a abolição no estado date de 1884, isto é, quatro anos antes da Lei Áurea (1888), havia a condição de os negros trabalharem mais sete anos como forma de indenização aos patrões.

José Antônio dos Santos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisador da imprensa negra, registra os jornais que encontrou: A Tesoura (1924/1925), de Porto Alegre; O Succo (1922/1925), de Santa Maria; A Hora (1917/1934), de Rio Grande; A Navalha, de Santana do Livramento (1939); O Astro, de Cachoeira do Sul (1927/1928); e A Liberdade, que começou, em Bagé, em 1919, passando, a partir de 1921, a ser editado em Porto Alegre, encerrando as atividades em 1925.

Registro ainda periódicos contemporâneos: Informativa Aurora ou Sociedade Floresta Aurora, fundada em 31/12/1872. Em 1º de outubro passado, o Correio do Povo completou 126 anos de fundação. Não foi tido como jornal da raça, mas foi lá que o jornalista negro Paulino Azurenha se destacou a partir de 1895, tendo atuado antes no Jornal do Comércio. No Correio, Paulino usava, às vezes, o pseudônimo Léo Pardo. Suas matérias, sob o título Semanário, foram depois reunidas em livro póstumo.

Foi membro fundador da Academia Rio-Grandense de Letras. Junto com Mário Totta e Sousa Lobo, criou a novela de caráter naturalista Estrychnina, escrita em 1897. Há quem reporte a origem do jornal ao Império Romano, com a Acta Diurna, em 59 a.C. — considerado o mais antigo, por obra do imperador Júlio Cesar, que tinha o objetivo de informar o público de fatos relevantes na sociedade e na política. Consistia em tábuas fixadas em muros. Mas foi Johannes Gutenberg, que, em 1477, criou a prensa móvel de madeira dando a forma ao produto que você agora lê.

Não gosto de ler jornal na internet, pois o compulsar do vai e vem de capa a capa faz parte do meu ritual com certo glamour até no cheiro da tinta. Vejo que as informações no jornal em papel me passam mais segurança e transparência. Sei que, atrás daquela informação, há um editor que pautou o repórter e conferiu a exatidão do apurado. Que o colunista tem suas fontes confiáveis. Lembro o falecido Ricardo Boechat — jornalista demitido de grande empresa, acusado de possuir fontes no submundo. A resposta dele foi aguda, com precisão cirúrgica: "Queriam o quê? Que fosse buscar no papa informação de quem era o bandido que praticava crimes contra as meninas da periferia?"

 

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