YCARIM MELGAÇO - Doutor em geografia, pós-doc em economia e em administração de organizações
A política externa brasileira do terceiro mandato iniciou-se em janeiro de 2023, com visitas aos países vizinhos Argentina e Uruguai. Esse primeiro contato aparenta uma tentativa de transformar o Brasil em líder regional ou, talvez sendo mais ousado, em um futuro representante do Hemisfério Sul. Na capital argentina, o mandatário brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, discursou para os membros da Casa Rosada, incluindo seu homólogo, Alberto Fernandes, e participou de uma cimeira regional com a presença de vários líderes sul-americanos.
Ao analisar a fala do presidente do Brasil diante das autoridades argentinas, pôde-se perceber um discurso, diria eu até carregado de boas intenções, por exemplo, como as de fortalecer o Mercosul, criar uma moeda única e, o mais desafiador, limitar o poder chinês na região.
Enquanto o Brasil ensaia os primeiros passos para uma geoestratégia latino-americana, a China já entrou no continente com toda a força arrastando para a América Latina um audacioso projeto denominado Nova Rota da Seda. Um plano territorial mundial é protagonizado para dominar o mundo e, claro, a América Latina integra as ambições chinesas através da política do soft power, ou seja, sem o emprego de armas de alto poder destrutivo do hard power.
Nesse contexto, a parceria estratégica sino-argentina, assinada em 2022, proporcionou ao governo do país vizinho financiar investimentos em obras de mais de US$ 23,7 bilhões. Um milagre para um país com as finanças em ruínas. Tendo em vista que a Argentina carece de recursos para financiamento de obras de infraestrutura para seu desenvolvimento, a oportunidade de acordo com os chineses é vista como ótima, e a China terá mais um país fornecedor de suas demandas por commodities, como grãos e minérios.
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Vale lembrar que o Banco de Desenvolvimento da China, desde 2014, já havia destinado um empréstimo de US$ 7,5 bilhões para a Argentina, que não podia acessar os mercados de capitais globais em razão de disputas sobre dívidas não pagas. Entre os acordos assinados naquela época, o destino de US$ 4,7 bilhões seria para construir duas hidrelétricas na Patagônia e o de US$ 2,1 bilhões seria para ajudar no financiamento de um projeto ferroviário há muito adiado a fim de tornar mais eficiente o transporte de grãos das planícies agrícolas da Argentina para seus portos.
Portanto, constatam-se não apenas os aspectos importantes da geoestratégia chinesa para a América Latina, inserido aí o avanço do Projeto da Nova Rota da Seda. Fora a Argentina, entre 2000 e 2018, a China investiu US$ 73 bilhões no setor de matérias-primas da América Latina, inclusive construindo refinarias e usinas de processamento de carvão, cobre, gás natural, petróleo e urânio.
Recentemente, Pequim alocou cerca de US$ 4,5 bilhões na produção de lítio no México e nos chamados países do Triângulo de Lítio da Argentina, Bolívia e Chile. Juntos, a tríade contém mais da metade do lítio mundial, um metal necessário para a produção de baterias. Energia é insumo básico para o desenvolvimento de qualquer país. A PowerChina, pertencente à estatal Power Construction Corporation of China, tem mais de 50 projetos em andamento em 15 países da América Latina. Como é possível observar, a China, em silêncio, vai impondo seus tentáculos geoestratégicos por aqui.
Na contramão dessa corrida, segue o terceiro mandato, sem um projeto estratégico de política externa, pelo qual seriam detalhados os objetivos e a origem de onde viriam os fundos de investimento para atrair os países latinos. O BNDES, em outras momentos, serviu de financiador para investimentos no exterior, principalmente para obras da construtora Odebrecht. Na realidade, estamos mesmo muito distantes do dragão chinês. No mais, não custa nada sonhar e assim segue o terceiro mandato.
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