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Opinião

Artigo: Um Portugal no Brasil

Vale a pena fazer a comparação para desenhar o tamanho do problema e da magnitude do drama humano

PRI-1302-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-1302-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)
postado em 13/02/2023 06:00

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — Jornalista (andregustavo10@terra.combr)

Portugal possui território de 92.212 km² e população de 10.330 milhões de pessoas. O território indígena ianomâmi, encravado entre os estados de Roraima e Amazonas, na fronteira com a Venezuela, ocupa área de 96.649km², abriga cerca de 25 mil indígenas distribuídos por mais de 300 comunidades. O acesso por terra é realizado pela BR-174. Alternativa é via aérea ou fluvial. Lá estão garimpando ouro entre 20 e 25 mil pessoas no território que é maior do que a área em que vivem os descobridores do Brasil.

Vale a pena fazer a comparação para desenhar o tamanho do problema e da magnitude do drama humano. O governo precisa fornecer toda ajuda possível aos índios que são a parte mais fraca no embate entre os povos originários e os chamados civilizados. A Amazônia é a última fronteira na América do Sul a ser explorada. No Equador, por exemplo, a principal província petrolífera se situa justamente nas bordas da selva amazônica. E na Guiana Francesa o problema é semelhante: invasão de garimpeiros brasileiros e estrangeiros. É uma luta antiga.

A área é imensa. Acesso dificílimo. Ausência de governo, de leis, de polícias e de qualquer regulamentação. Os políticos locais defendem os garimpeiros, madeireiros e outros tipos de exploradores da selva. É atividade lucrativa. Um grama de ouro vale, hoje, R$ 313,59. A onça troy (31,1035 gramas) é cotada a R$ 9.599,36. O ouro tem valor em qualquer lugar do mundo, dentro ou fora do Brasil. Madame vai às compras numa joalheria elegante em São Paulo ou Nova York sem saber que a preciosidade vem da reserva ianomâmi e o diamante vem de lavra ilegal na África do Sul, Angola ou Namíbia.

O governo começou a enviar tropas e queimar equipamentos para fazer os garimpeiros deixar a região. Alguns se antecipam para não enfrentar os rigores da lei. Um ou outro será preso e punido de maneira exemplar. É necessário assim agir para que o governo apresente à opinião pública o resultado positivo de sua atuação. Todos sabem que esse é um processo episódico. Os 200 ou 300 soldados não serão suficientes para solucionar problema muito antigo. O novo governo brasileiro precisa dar resposta internacional de sua preocupação com os povos nativos da floresta. Europeus se preocupam com o assunto. Nos Estados Unidos, os produtores rurais se defendem dizendo "farms here, forests there". Fazendas aqui, florestas lá. Ou seja, os sul-americanos precisam preservar florestas, eles não.

A repressão policial-militar naquela área vai espalhar garimpeiros por toda a Amazônia brasileira e países vizinhos. O estado de Roraima, afetado pela diáspora dos venezuelanos, deverá receber gente saindo do mato em situação de penúria, de fome e necessitando cuidados médicos imediatos. Haverá uma avalanche de problemas, numa unidade de Federação que é pobre e distante dos grandes centros. Sua economia é baseada na extração de riqueza da floresta. O governador de Roraima, Antônio Denarium (PP), acompanhado por senadores, passou a semana em Brasília, de gabinete em gabinete, alertando para o dia seguinte dessa operação na reserva indígena.

É justificável a pressa do governo Lula em mostrar resultados, pouco mais de 30 dias depois de tomar posse e sofrer um brutal ataque contra as instituições. Enfim, a nova administração tem que se mostrar eficiente em identificar e resolver seus problemas. E um dos mais evidentes é a bárbara agressão ocorrida contra os nativos que vivem no norte do país. Boa carta para ser colocada na mesa de negociações com Joe Biden, presidente dos Estados Unidos no encontro dos dois em Washington. Passado o primeiro momento da emoção e das reações apaixonadas, a situação, no entanto, tenderá a reverter ao que era antes. Nenhum governo consegue manter área daquele tamanho absolutamente isolada do contato externo. O próprio índio precisa manter algum tipo de diálogo com o branco. Há necessidades de parte a parte.

A situação emergencial dos ianomâmis lembra a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Foram realizadas 49 ações de garantia da lei e da ordem, em 10 meses ocorreram 1.532 mortes por violência policial e o assassinato da vereadora Marielle Franco. Mas a atual situação de (in)segurança no Rio de Janeiro é semelhante à que existia em fevereiro de 2018, quando foi decretada a medida extrema. Mexer na Amazônia exige conhecimento da região e ter projeto específico para aproveitar o que há de melhor no norte do país. Significa planejamento e a adoção de políticas públicas bem definidas. Defender o índio é fundamental, mas também é importante planejar futuro sustentável para os brasileiros que vivem na floresta, da floresta ou perto dela.

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