JORGE FONTOURA - Advogado e professor
Capítulo clássico no estudo de relações internacionais, como caso de bilateralismo de resultados, as interações Brasil-Estados Unidos (EUA) se desdobram ao largo do tempo, de nossa independência à República, em sucessivos episódios tanto de aproximação como de rechaço. Com a atual viagem do presidente Lula a Washington, em urgência atípica de agenda relâmpago, ainda que como hóspede na exclusiva Blair House, anexa à Casa Branca e para convidados especiais, muitas são as expectativas acerca do êxito do encontro.
Em que pese a silenciosa semântica de gestos, a visita é cheia de gargalos a poder fazer refluir velhos dilemas e desencontros. Com viagem de Estado igualmente marcada à China e com posições de neutralidade na guerra por enquanto pan-eslava, de russos e ucranianos, Lula terá que contar com muita persuasão para não se envolver e contrapor-se no imbróglio das grandes potências. Resta contar com a prudência experimentada de dois veteranos presidentes que se encontram, balizados pelo peso da história e pelas conveniências da geopolítica.
De fato, nada de novo nas relações bilaterais, desde a visita de Dom Pedro II a Ulysses Grant, em 1876. Depois, foram densas e intensas as relações entre os dois países, alguma e outra vez de divergências brutais, é certo, mas sempre a prevalecer a continuidade de parceiros-adversários, sem rupturas, na expressão de Raymond Aron aqui também aplicável. E foi sempre nesse padrão de convergências oscilantes, matizadas por contagiosas crises internacionais como as guerras mundiais e a guerra fria, que as relações Brasil-EUA se construiram e consolidaram.
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Já em último ciclo em nosso aparvalhado século, com as semelhanças e dessemelhanças dos recentes processos sucessórios nos dois países, o encontro de Biden e de Lula é agora de notória busca de compromissos sanadores e de propostas conciliadoras, máxime na área ambiental e de segurança coletiva, com possíveis declarações e ações conjuntas pela preservação da democracia e do sistema republicano. Porém, esforços pressionados tanto por dificuldades das políticas internas como derivadas do catastrófico cenário externo: uma possível terceira guerra mundial em gestação, China versus EUA, uma guerra real em curso, Rússia versus Ucrânia, a envolver a Otan, sem esquecer o Oriente Médio prestes a explodir às barbas do Irã e de suas paradoxais bombas secretas mas ostensivas.
Player global, aspirante a assento qualificado nas Nações Unidas, cioso de sua tradição conciliadora a manter relações amistosas com os demais países, fatalmente o presidente brasileiro será instado a assumir posições na governança mundial. A começar por inadiável volta de negociações pacíficas de controvérsias e imediato banimento do uso da força no quadro de beligerância que colapsa o sistema intencional. A crise sem precedentes que coenvolve os próprios membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) detentores de poder de veto e, mais do que isso, de ilimitados arsenais nucleares.
Não menos complexas serão as tratativas concernentes à questão ambiental e à crise climática, quando, no entanto, o Brasil poderá beneficiar-se da adesão dos EUA ao Fundo Amazônia, por enquanto apoiado limitadamente por países europeus, principalmente Noruega e Alemanha. Para além dos aspectos financeiros, a presença norte-americana possuiria forte caráter simbólico, a inserir-se na agenda de incentivos coordenados pelo ex-presidente John Kerry, o representante especial de Biden para a diplomacia ambiental. A contar com esse efeito, ainda que sem expectativas de grandes anúncios, a viagem de Lula aos EUA poderia ser proveitosa, com nova postura cooperativa externa a programas de preservação do meio ambiente.
Um avanço, quando muito, a levar-se em conta os limites do possível diante de angústias comuns a afligir o mundo: a guerra de Putin com ameaças nucleares, os conflitos comerciais sino-americanos e seus balões espiões, as reivindicações territoriais do Japão e da Índia a açular o dragão chinês, ou a independência de Taiwan também em afronta a Pequim. As agendas belicosas do mundo em irremediável confronto.
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