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Segunda Guerra

Artigo: Lideranças construtivas moldam o tempo

pri-0802-opiniao Opinião -  (crédito: Caio Gomez)
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Otávio Rêgo Barros
postado em 08/02/2023 06:00

OTÁVIO RÊGO BARROS - General da Reserva, foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército

Acabei a leitura do livro Hitler e Stalin, os tiranos e a Segunda Guerra Mundial, do historiador inglês Laurence Rees. Ótimo texto. O autor se valeu de testemunhas oculares numa abordagem distinta de trabalhos já publicados. Suas fontes não foram apenas pessoas que sofreram sob o jugo desses ditadores, mas também as que os apoiaram entusiasticamente.

A pergunta que baliza a obra: em qual proporção Hitler e Stalin moldaram o tempo em que viveram e até que ponto o tempo os moldou? Acrescentaria, em que medida eles ainda influenciam o mundo moderno? Não percebi a tentativa de enquadrá-los como populistas, em uma revisitação ao conceito. Todavia, é possível encontrar traços dessa postura em suas caminhadas. Em muitos aspectos, o convencimento na era da pós-verdade tem semelhança ao usado por aqueles ditadores. Teorias conspiratórias, subterfúgios, coerções eram e são os instrumentos da batalha informacional.

No início da vida, Hitler trabalhava como pintor em Munique. Era um tipo excêntrico, com tendências a culpar o mundo por seus fracassos. Stalin era um revolucionário. Abandonou o seminário onde estudava para ser padre e embarcou junto com Lenin rumo à Estação Finlândia na aventura marxista. Hitler era o arquetípico líder carismático. O que confiava principalmente no brilho de sua personalidade para justificar seus atos. Vinculava a narrativa à compreensão dos que ansiavam serem acolhidos no projeto.

Stalin, por sua vez, trabalhava longe dos holofotes. Era o homem dos comitês, mas a decisão final estava traçada mesmo antes de o problema ser apresentado. Homem que passara anos como um revolucionário foragido, tratava tudo e todos com suspeita. "Quem poderia estar prestes a me trair?" Excêntrico, covarde, revolucionário, megalomaníaco, irascível, carismático, introspectivo, desconfiado, em resumo, esses são atributos destacáveis da parelha.

Setenta anos do fim da Segunda Guerra, ideias dessas lideranças se renovam vestidas com discursos amenos que se encaixam ao que os ouvintes desejam escutar. É aí que mora o perigo. O conflito psicoideológico, fascismo versus comunismo, que teria se encerrado naquela guerra e mais adiante com esfacelamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, transmutou-se e reencarnou-se.

A extrema direita no século 21 ganhou manchetes à medida que partidos defensores desse radicalismo, na maioria das vezes populistas, conquistaram o poder por meio do voto, paradoxalmente a ferramenta da democracia que eles mais abominavam. Vocacionados para o autoritarismo, com tendências à xenofobia e ao racismo, suas lideranças dominam as bolhas e põem fogo no rastilho de pólvora formado pelas dificuldades e inconformismos que o mundo moderno impõe aos indivíduos e às tribos.

Todavia, como afirmava Hanna Arendt, o mal menor continua sendo um mal. É preciso também apontar holofotes para agrupações antípodas que, sob o manto de combater o novo fascismo, usam estratégias herdadas dos defensores dos campos de trabalhos forçados no Gulag e da fome institucional do Holodomor. A milhares de quilômetros do epicentro dessas teses totalitárias, mesmo assim o Brasil sofreu as consequências das disputas ideológicas que tomaram o mundo. Ainda hoje, fruto delas, navega em uma embarcação que aderna a cada tempestade de opiniões.

Em um seminário da ABL cujo título era: O que falta ao Brasil? o embaixador Rubens Ricúpero respondeu a provocação com outra provocação. Disse ele: Um futuro pior que o passado? Iluminou o diplomata que talvez nos fugisse a esperança. Cabe destacar que a apresentação ocorreu em 2019, portanto, logo após a assunção de um governo de direita populista.

A guerra fria acabou, mas nossas lideranças continuam olhando no retrovisor uma história distante para justificarem ações atuais e futuras. Como fugirmos de um destino de insucesso se olhamos a história sem a preocupação de filtrá-la? Não é fácil responder. Ou os guias se modernizam ou viveremos sob caprichos de lideranças arcaicas, tietes do passado sem glória dos tiranos descritos por Rees.

Ao mesmo tempo, é preciso mudar os procedimentos como sociedade, as relações humanas e políticas, abrir-se a novas ideias ou a água do mar da insensatez tomará de vez o porão do navio que ainda nos mantém à tona. Encerrava o embaixador Ricúpero aquela palestra: sem o consolo das certezas ilusórias, depende apenas de nós, de nossa ação consciente, que os próximos 100 anos revertam o declínio, garantindo-nos um futuro melhor que o presente e superior ao passado.

Paz e bem.

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