NULL
nazismo

Artigo: Primos falam do holocausto

nazismo
facismo
hittler 
holocausto -  (crédito: Reprodução/IStock)
nazismo facismo hittler holocausto - (crédito: Reprodução/IStock)
WALTER FANGANIELLO MAIEROVITCH, SELMA BEILA MAIEROVITCH, CLAUDIO MAIEROVITCH PESSANHA HENRIQUES
postado em 03/02/2023 06:00

WALTER FANGANIELLO MAIEROVITCH — Magistrado aposentado, comentarista de Justiça e Cidadania, escritor, vencedor do prêmio literário Jabuti-2022

SELMA BEILA MAIEROVITCH — Jornalista

CLAUDIO MAIEROVITCH PESSANHA HENRIQUES — Médico sanitarista da Fiocruz-Brasília, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), foi presidente da Anvisa

O Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, 27 de dezembro, foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para que a humanidade não esqueça os horrores do nazismo. Passadas quase oito décadas do terrível genocídio do povo judeu, ainda nos perguntamos: como foi possível tal fato acontecer numa Europa culta e civilizada? E por que o nazismo não apenas não desapareceu, como se difunde até hoje?

Nossos avós, pais e tios eram poloneses. Conseguiram fugir para o Brasil. Nosso avô Salomão percebeu que não dava mais para viver em gueto. Ouvia repetidas vezes ao dia: "Judeus são merdas". Na Polônia, 3 milhões de judeus foram mortos pelos nazistas. O ódio a eles era tanto que uma jovem de 18 anos, ao apresentar seu passaporte na hora de emigrar, ouviu do funcionário que a atendia: "Uma judia a menos". Foram as últimas palavras que ela ouviu em seu país natal. Pelo resto da vida, recusou-se a falar polonês.

Para além do sofrimento mais óbvio, o genocídio provoca novas diásporas. Os descendentes veem quebrada a sequência esperada de transmissão de cultura e de conhecimentos. Não aprendemos o iídiche, tampouco o polonês, e só ouvimos os nomes das cidades de onde veio a família quando a geração de nossos pais já se despedia da vida. Tentando superar traumas e proteger a descendência, o passado dos imigrantes compulsórios ganha sigilo. Muito mais sutil do que o extermínio físico são os ciclos de esquecimento que se sucedem. Uma minoria de sobreviventes teve coragem de contar ao mundo o que aconteceu nos campos de concentração nazistas. A eles, nosso respeito.

Na semana passada, a Rádio e Televisão Italiana (RAI) divulgou um relato impressionante: a senhora Tatiana Bucci tinha uma irmã mais velha, mas muito parecida. Ao ingressarem no campo de concentração, as duas meninas, por sua semelhança, foram dadas como gêmeas. Elas permaneceram como futuras e eventuais cobaias de Josef Mengele nos campos de Birkenau-Auschwitz. As outras foram para a câmara de gás. Em Auschwitz morreram 870 mil judeus. Em Treblinka, foram 925 mil, entre julho de 1942 e novembro de 1943.

Precisamos lembrar que também foram vítimas do holocausto, embora em números muito menores, negros, ciganos, deficientes físicos e mentais e comunistas. Grupos móveis de extermínio, o denominado Einsatz Gruppen, matavam todos eles nas ruas por onde passavam. Ao holocausto judeu se dá o nome de Shoá, talvez para marcar a época em que ocorreu, e se diferenciar de outros genocídios da história, como o dos armênios pelos turcos otomanos, de 1914 a 1918 e de 1920 e 1923.

Imaginávamos que a civilização houvesse sepultado a barbárie. Não podemos deixar de expressar o quanto nos choca saber que os ianomâmis, um dos povos originários sobreviventes das terras que acolheram nossos antepassados, são vítimas de um genocídio em pleno século 21. Mais do que expressar a indignação e a solidariedade, repetimos: "Lembrar, para que nunca se repita". E acrescentemos a lição da história: responsabilização e punição são elementos fundamentais para essa memória.

Neste ano de 2023, questionou-se muito, na Europa, se os Estados nacionais, passados tantos anos, deveriam manter, nos seus calendários oficiais, as solenidades e os eventos de memória. Soou como outra forma de ofensa. Antes era o negacionismo dos que insistiam na afirmação de não ter ocorrido o holocausto judaico, apesar de haver farta documentação daquela época.

Esse questionamento tem resposta na obra do grande escritor italiano Primo Levi, que foi prisioneiro em Auschwitz quando jovem e, por não suportar a interrogação que sempre se fazia "Por que me salvei e tantos morreram? Por que eu?" suicidou-se já septuagenário, em Torino, na Itália. Em seu livro É isto um homem?, Levi escreveu: "Tutti coloro che dimenticano il loro passato, sono condannati a riviverlo" — todos aqueles que esquecem o passado estão condenados a revivê-lo.

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

-->