ROBERTO NOGUEIRA FERREIRA - Membro da Academia de Letras do Brasil, foi auditor fiscal de Minas Gerais. É autor de A reforma essencial
Reforma Tributária é expressão que, progressivamente, foi se perdendo nas últimas décadas até cair em descrédito. Até no meio empresarial, o discurso de uma reforma profunda, modernizante, estruturante foi substituído pela eloquência do silêncio de ganhos pontuais e subsídios que beneficiam alguns, desconsideram muitos e deixam uma conta a ser paga por todos, com raríssimas exceções.
Permeando essa realidade, o avanço tecnológico pôs fim às fronteiras geográficas para o bem e para o mal. Sem sair de casa, é possível comprar em qualquer parte do mundo. E os tributos? No caso, pode-se dizer que os tributos são apenas um detalhe. Redes atacadistas e varejistas nacionais reclamam, com razão, desse passeio internacional não tributado. Mas elas também invadem o espaço interno a partir de suas bases, alcançam todo o país, impondo derrotas aos pequenos e médios comerciantes locais. E os tributos? No caso, também, continuam a ser meros detalhes.
A questão que se impõe é saber se a PEC 110 (reforma tributária), em estágio avançado no Senado Federal, responde adequadamente aos anseios do país. Segundo o seu relator, o pressuposto básico da proposta é a manutenção da atual carga tributária. Certamente não é isso que a sociedade (empresas e cidadãos) quer e requer.
Saiba Mais
A PEC 110 é farta em fusão de tributos. O ICMS (estadual) se funde com o ISS (municipal). As contribuições PIS e Cofins (ambas federais) se fundem. O IPI desaparece, mas sua receita será recuperada no bojo da Contribuição resultante da fusão de PIS e Cofins. Essas fusões são mera redução do número de tributos. Não resultam em melhoria da qualidade sistêmica, em redução de carga tributária e em simplificação. Em todos esses casos, a elevação da carga tributária — sobretudo para o setor de serviços — é inevitável.
O cronograma de implantação da pretendida reforma tangencia a comicidade. Entre 2025 e 2026, haverá um período de testes. Como investir em um país que carece testar por dois anos a funcionalidade de um "novo" sistema tributário? E o cronograma segue Entre 2027 e 2031, os dois sistemas transitarão em simultâneo por estradas distintas e paralelas, duplicando a burocracia. O destino é o mesmo: pagar imposto.
Enfim, chegamos ao ápice. Entre 2027 e 2066, nesse "curto" período de 40 anos, se daria a "transição entre os entes federativos". Dá para imaginar o estrago federativo e seus efeitos perversos nas gestões estaduais e municipais, com perda de autonomia e descompasso entre despesa e receita. Só para registrar: A República Federativa do Brasil tem 5.598 entes federativos. Nesse ambiente, não é trivial fazer uma "reforma tributária" de cima para baixo, que desconsidere os riscos federativos.
A proposta em discussão no Senado Federal, farta em transição, é carente de estudos e projeções de seus efeitos, no bolso dos cidadãos, no caixa das empresas ou nos tesouros públicos, especialmente estaduais e municipais.
Em respeito à sociedade (empresas, cidadãos, academia, entes federativos) creio ser necessário o conhecimento prévio de alguns aspectos, como: impactos fiscais (perdas e ganhos dos entes federativos, incluindo partilha dos recursos arrecadados); impactos sobre os contribuintes (grau de complexidade do novo sistema; multiplicidade de alíquotas; bases de cálculo; efeitos diretos e indiretos da carga tributária para PF e PJ). Por fim, mas não menos importante, é de todo aconselhável estimar os impactos nos preços para não comprometer ainda mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a geração de emprego e renda. Aos contribuintes, como sói acontecer, resta pagar a conta.