ANNA HELENA ALTENFELDER - Presidente do Conselho de Administração do Cenpec
ROMUALDO PORTELA DE OLIVEIRA - Diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec
MARIA AMABILE MANSUTTI - Assessora da área técnica do Cenpec
A nova gestão federal herdou o grande desafio de transformar a terra arrasada da educação básica em solo fértil para esta e as próximas gerações. Nessa direção, a educação integral desponta como agenda prioritária e promissora para a reversão do quadro de evasão escolar e defasagem de aprendizagem agravado pela pandemia.
Um ponto de partida fundamental para isso é que todo mundo esteja na mesma página quando o assunto é educação integral. Isso porque existem compreensões muito diversas sobre o assunto e algumas delas acabam por assumir uma visão reducionista, como ser entendida como mero sinônimo de aumento do tempo de jornada na escola.
Assumir uma agenda efetiva de educação integral é considerar o desenvolvimento pleno de cada estudante. É levar em conta seus aspectos cognitivos, sociais, afetivos e culturais de forma articulada. Para isso, são necessários um currículo e uma prática pedagógica que compreenda e trabalhe os aspectos cognitivos e socioemocionais em sala de aula de forma articulada e na sua totalidade.
É também reconhecer e articular a diversidade cultural e de saberes — da escola, da família, do território — em múltiplas oportunidades de aprendizagem pelas manifestações culturais locais: esporte, arte, ciência e tecnologia. É considerar as culturas das infâncias, adolescências e juventudes. Tem a ver ainda com uma educação inclusiva, com vistas à formação cidadã, construída na diversidade e que incentive o protagonismo dos estudantes.
Saiba Mais
O país já registra experiências interessantes nesse sentido, algumas das quais o Cenpec contribuiu junto às secretarias estaduais e municipais, como em Belo Horizonte (MG) e São Paulo (SP), e ao próprio governo federal, que criou o programa Mais Educação em 2007. Dessa trajetória, aliada à vivência que temos no chão da escola, é possível destacar pontos que são muito caros à construção de uma política pública efetivamente orientada à educação integral.
O primeiro deles é que ela seja uma política orientadora, que forneça as coordenadas para programas de educação integral. Em um país de proporções continentais e com contextos tão diferentes e desiguais, não é viável tomar uma experiência dita exitosa como modelo único para outras regiões. É preciso olhar atentamente para o conjunto de experiências e conhecimentos que temos e, a partir disso, criar diretrizes que ajudem a colocar em prática a educação integral, considerando as particularidades e potencialidades de cada local.
O segundo ponto é a intersetorialidade, fundamental para que a educação integral aconteça. Principalmente neste momento pós-pandemia, a articulação da escola com outros setores, a exemplo da assistência social, saúde, cultura, esporte, e com o próprio território, é o que viabiliza a oferta de mais e melhores ações educativas no currículo escolar, com vistas ao desenvolvimento integral das meninas e dos meninos.
Outro ponto estrutural é o aporte de recursos financeiros. Nos últimos anos, a pasta da educação sofreu cortes orçamentários que comprometeram a execução de programas relacionados à educação integral. A reformulação do Mais Educação entre 2015 e 2016, seguida da sua descontinuidade em dezembro de 2019, exemplifica o descaso. Então é urgente destinar recursos para novos programas de educação integral que contemplem também a melhoria da infraestrutura das escolas e a formação docente.
O último ponto tem a ver com o tempo na educação integral. O aumento da jornada na escola ajuda a alcançar os objetivos da educação integral, mas não é garantia de qualidade. É preciso equacionar quantidade x qualidade da oferta educacional. A peça-chave está justamente no projeto pedagógico, que deve considerar as mudanças dos tempos, espaços e currículos na educação integral.
A retomada dessa agenda como estratégia de enfrentamento às desigualdades educacionais reacendeu a esperança de dias melhores para a educação brasileira. Agora, é fortalecer as iniciativas que já dão certo e viabilizar uma política que promova a educação integral em mais escolas do país.