ANTONIO GALVÃO PERES - Advogado, doutor e mestre em direito do trabalho pela USP. Coordenador do Núcleo de Assuntos Legislativos da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/S
A máxima de que no Brasil até o passado é imprevisível ganha corpo em um instigante debate jurídico. Nos últimos meses, muito se tem escrito sobre o julgamento da ADI 1625 no STF. Iniciado em 2003, finalmente deve ser concluído, despertando temor do empresariado quanto à retomada da vigência da Convenção 158 da OIT, denunciada em 1996 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Denúncia significa desistência da ratificação de um tratado internacional. O que se discute nessa ação é sua validade sem a chancela do Congresso Nacional. Como essa convenção disciplina a proteção contra a chamada dispensa arbitrária, muitos passaram a dizer que seu renascimento no Brasil implicaria proibição de dispensas sem justa causa.
A tese é alarmista e está amparada em duas correntes minoritárias, superadas por precedentes do próprio
Supremo. Causa inclusive estranheza o silêncio nessas manifestações sobre o julgamento do STF na medida cautelar da ADI 1480-3.
A cronologia é importante: a denúncia ocorreu em 1996, mas, conforme regras de direito internacional, seus efeitos somente se perfizeram após um ano. Nesse interregno, em decisão colegiada, o STF deferiu liminar na ADI 1480-3 para afastar qualquer interpretação que desconsiderasse o “caráter meramente programático das normas” da Convenção 158 da OIT, ou seja, que viessem a tê-las como autoaplicáveis.
Ao assim decidir, confirmou autorizada doutrina no sentido de que a ratificação não produziria efeitos imediatos. A convenção significaria “mera proposta de legislação dirigida ao legislador interno”.
Ultimada a denúncia, a ADI 1480-3 foi extinta por perda de objeto, mas, a rigor, até 2001 mantiveram-se os efeitos daquela liminar cautelar. Outra controvérsia tem passado ao largo dos recentes artigos. Em teoria, um tratado internacional pode ser incorporado ao ordenamento interno com status constitucional, de lei ordinária, ou supralegal.
O STF enfrentou o tema em diversas ocasiões ao interpretar o artigo 5º, §§ 2? e 3º, da Constituição (vg. Tema 60 de Repercussão Geral). Hoje é entendimento pacífico na mais alta Corte que hipóteses como a da ratificação da Convenção 158 implicam incorporação com status supralegal (acima da lei), mas não constitucional.
Saiba Mais
A incorporação com status constitucional está restrita às hipóteses de ratificação de tratados de direitos humanos que observem o rito do artigo 5º, § 3º, da Constituição, inserido pela EC 45 de 2004 (aprovação no Congresso com procedimento análogo ao exigido para uma emenda constitucional).
Essa distinção é importante porque a nossa Constituição assegura indenização compensatória em caso de dispensa arbitrária, não o direito de permanecer no emprego (artigo 7º, I, da CF). Portanto, a Convenção
158 da OIT, se retomada sua vigência, não se sobreporia ao texto constitucional. Aliás, ainda que o fizesse, seu artigo 10 admite a hipótese de indenização compensatória.
Há também generalizada confusão quanto ao conceito de dispensa arbitrária. Não se trata da dicotomia “com justa causa” (disciplinar) versus “sem justa causa” (imotivada). O modelo da OIT aceita motivações de ordem técnica ou econômica, por exemplo. Nosso direito interno não regulamenta as variantes; até
hoje nos valemos de regra provisória prevista no artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (a conhecida multa de 40% do FGTS).
As teses em sentido contrário tiveram mais força na década de 1990 e levaram a decisões da Justiça do Trabalho determinando a reintegração de centenas de trabalhadores. Esse foi o panorama que justificou
a cautela da denúncia. Se confirmada a procedência da ADI 1625, não há como descartar o risco de novas
decisões proibindo dispensas, mas tendem a não prevalecer diante dos pronunciamentos do próprio STF. O
desafio será administrar o alto custo da insegurança jurídica até que a situação se acomode.