JOE VALLE - Empresário, foi presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal
Estamos realmente enfrentando dias muito complexos e densos aqui em nossa Brasília. Tempos difíceis que submetem a população da capital a presenciar inúmeros absurdos neste início de ano. Terríveis e inimagináveis. Como o que assistimos diante dos atos de invasão, vandalismo e intolerância promovidos contra a democracia e as instituições na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro. Cenas que jamais esqueceremos e não podemos permitir que se repitam, que os responsáveis sejam responsabilizados exemplarmente.
Os atos contra a democracia feriram a cidade e os poderes e são pano de fundo de nova ameaça contra todo o Distrito Federal. Vemos com perplexidade o rumor que se levanta para desconstrução de uma conquista de toda a sociedade. Refiro-me à insensatez de nova discussão que se estabelece para alterações no Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF). O que está em jogo é à autonomia do DF e a oferta de políticas públicas estruturantes.
Primeiramente, gostaria de ressaltar que o DF é um ente federativo com características únicas no Brasil. Possui competências cumulativas de estado e de município. Por isso, sob a ótica das finanças públicas, nossa cidade tem fontes de arrecadação das duas competências para poder atender à obrigação de ofertar serviços públicos tanto municipais quanto estaduais. Ademais, aqui estão as sedes dos Três Poderes e serviços públicos federais, autarquias e instituições nacionais, além de abrigar todas as representações diplomáticas estrangeiras e organismos internacionais.
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O funcionamento e custo de manutenção de toda essa estrutura foi exaustivamente debatido no passado e, por essa razão, criado o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) com objetivo de transferir recursos da União para a manutenção das forças de segurança pública (Polícias Militar, Civil e Corpo de Bombeiros) e também em auxílio ao custeio das despesas com saúde e educação.
O Fundo Constitucional do DF é um instrumento tão importante que sua instituição foi prevista na Constituição Federal de 1988. Em dezembro de 2002, o então presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a Lei 10.633/2002, que regulamentou o dispositivo constitucional e, entre outras coisas, determinou que os recursos correspondentes ao Fundo fossem entregues ao Governo do Distrito Federal até o dia 5 de cada mês, a partir de janeiro de 2003.
Para se ter uma avaliação do que isso significa, vale destacar que o Orçamento total do Distrito Federal para 2023 está estimado em R$ 57,36 bilhões. Desse valor, caberá à União repassar para o Distrito Federal, em razão do Fundo Constitucional, o montante de R$ 22,96 bilhões. Historicamente, ao longo desses anos, os recursos do fundo são alocados pelo GDF mediante uma divisão média em que cerca de 50% são destinados para a Segurança Pública, 25% para a Educação e 25% para a Saúde.
Sem o Fundo Constitucional, a cidade entra em colapso, arrastando a população numa tragédia já algumas vezes anunciada, como aliás quase ocorreu recentemente com projeto apresentado no Senado, mas que não prosperou por total falta de razoabilidade. Não dá para pensar como equacionar a capital do país funcionando sem o aporte desses recursos tão fundamentais. Hoje, o valor do fundo destina-se quase exclusivamente ao pagamento das folhas de pessoal das três áreas mais sensíveis do governo: saúde, educação e segurança. São milhares de servidores e suas famílias que dependem dos recursos vindos do FCDF.
É impensável mexer no Fundo Constitucional do Distrito Federal, um completo absurdo. Um golpe contra a cidade e um tiro no pé de quem o desferir. Não podemos permitir mais um passo na marcha da insensatez que tanto tem prejudicado a nossa cidade. É fundamental que haja a mais ampla compreensão dos impactos do FCDF em nosso dia a dia, para que não ocorra o desmantelo de políticas públicas e da autonomia do DF. Não permitiremos esse retrocesso.
Defender o Fundo Constitucional é defender a vida em todo o DF, é lutar pela nossa população e pela dignidade de todos que trabalham para ofertar serviços públicos de qualidade para os cidadãos.