Por ALMIR PAZZIANOTTO PINTO — Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Ao escolher a fuga como saída para a derrota, o ex-presidente Jair Bolsonaro errou. O capital político acumulado em quatro anos de governo não poderia ser jogado no lixo da história. Foi reduzida a diferença em relação ao eleito. Afinal, receber 58,2 milhões de votos é significativo e honroso em qualquer circunstância. Mais ainda, quando se trata de alguém que cometeu seguidos erros no exercício do mandato e enfrentou o político mais ardiloso das últimas gerações.
Na Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro jamais obteve projeção. Exerceu diversos mandatos. Saltou de um partido para outro, na cabal demonstração de incapacidade para celebrar acordos e galgar posição de liderança. Muito tempo já se consumiu na discussão dos motivos determinantes da vitória de 2018. Ao que tudo indica, apenas ele, os membros da família e pequeno círculo de íntimos foram incapazes de entender que fenômenos de tal magnitude não ocorrem duas vezes. Ao invés de trabalhar no sentido de converter prestígio passageiro em sólido patrimônio político, o ex-presidente aplicou energias para se desacreditar.
Jair Bolsonaro pertence à espécie dos lobos solitários. Sem ele no governo, o movimento bolsonarista tende a se diluir. Tem massa, mas carece de definição ideológica. Sabe-se que é de direita, contra o comunismo e que congrega adversários de Lula e do PT. Se Bolsonaro aspira ser líder, será o líder de quem? Das classes médias? Do agronegócio? Das polícias militares? De soldados, cabos e sargentos? De aficionados do tiro e de motociclistas? Durante o mandato, Bolsonaro permaneceu indiferente à tarefa de costurar alianças. Talvez acreditasse que bastaria o apoio das Forças Armadas.
O único presidente da República que se impôs aos inimigos, antes e depois de morto, foi Getúlio Vargas. A liderança política se agigantou após o suicídio em agosto de 1954, impulsionada pela memorável Carta Testamento. O veio nacionalista e as mensagens de carinho às classes trabalhadoras sustentavam o trabalhismo representado pelo PTB, Partido Trabalhista Brasileiro. O fantasma petista ressurgiu das trevas da Operação Lava Jato e se materializou na pessoa de Luís Inácio Lula da Silva. Ao deixar a prisão em Curitiba, favorecido por artifício processual, Lula deve ter se apercebido da fraqueza do presidente. Como candidato do Partido dos Trabalhadores, se pôs em campanha decidido a disputar e vencer as eleições.
Como ser humano, Lula tem defeitos. Talvez o maior seja a incontrolável arrogância. O ministério montado para satisfazer sedentos petistas, atender aos reclamos de aliados e de ex-adversários deverá apresentar soluções rápidas e objetivas para antigos problemas estruturais. O prazo de tolerância será curto. Impaciente e esgotado, o povo cobrará resultados. Nos discursos de posse, o antigo dirigente sindical, saudoso das assembleias no Estádio de Vila Euclides, esbanjou promessas e fez duras acusações ao antecessor.
Se a Jair Bolsonaro faltou grandeza na derrota, a Lula faltou entender a gravidade da ocasião. Não dirigiu uma só palavra de apaziguamento aos adversários. Dizer que recebeu o país arrasado não corresponde à verdade. Arrasado se encontrava quando Dilma Roussef foi cassada. Por seu lado, foi insincero ao afirmar que pretende unir os brasileiros no esforço de erradicar a miséria, retomar o desenvolvimento, combater a inflação. Para que haja união são indispensáveis paciência, compreensão e modéstia. Marcada pelo maniqueísmo, a carreira sindical foi longa sucessão de conflitos e greves. Ao insistir na belicosa polarização, Lula expõe as raízes do passado.
Ao assumir o governo em 1985, o presidente José Sarney buscou o diálogo com a sociedade. Evitou o revanchismo. Venceu resistências para apoiar o fim de intervenções em sindicatos. Autorizou o Ministério do Trabalho a anistiar dirigentes cassados. Em 26/6/1985 se reuniu com lideranças dos trabalhadores na Granja do Torto para o exame de problemas de interesse comum. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), dirigida por Jair Meneguelli e Lula, se recusou a comparecer. A mesma omissão se registrou em duas tentativas de Pacto Social.
O país necessita de união. Não deve continuar dividido entre fanática esquerda lulista e a direita bolsonarista. O bolsonarismo talvez não sobreviva por lhe faltar líder experiente, carismático e aglutinador. No deserto de lideranças, difícil será encontrá-lo.
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