Não tem precedentes na história do Estado brasileiro, do Império à República, a tomada simultânea das sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário por setores inconformados com a alternância de poder, um dos pilares da democracia representativa, que vandalizaram a Praça dos Três Poderes, com prejuízos materiais, artísticos e culturais de grande monta e que ainda estão sendo calculados. Nem mesmo os golpes de estado que depuseram o regente Araújo Lima (Golpe da Maioridade, 1840), Dom Pedro II (Proclamação da República, 1989), o presidente Washington Luiz (Revolução de 1930) e o presidente João Goulart (golpe militar de 1964) registraram episódios como esses.
Como está sendo mais apurado, houve uma série de falhas no sistema de segurança pública encarregado de defender o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). Felizmente, o Palácio da Justiça e o Palácio do Itamaraty, que complementam o icônico conjunto arquitetônico da Praça dos Três Poderes, não foram igualmente danificados. Por isso, inclusive, não se deve atribuir o vandalismo que ocorreu no domingo ao desvario de uma turba enfurecida. Houve uma ação política planejada e deliberada, com objetivo de ocupar a Praça dos Três Poderes e provocar uma intervenção militar, a pretexto de conter o caos e restabelecer a ordem, desestabilizando o novo governo, uma semana após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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Não bastam a prisão em flagrante dos desordeiros e a identificação dos financiadores dos acampamentos à porta dos quartéis e das caravanas que chegaram a Brasília, com propósito de participar da "Festa da Selma", a senha usada para a invasão nos grupos de WhatsApp e Telegram da extrema-direita. Há que se investigar os demais envolvidos na tentativa golpista de domingo, seus organizadores e mentores, para que o centro da conspiração seja identificado e devidamente enquadrado nos crimes de sedição previstos no Código Penal.
Afastado do cargo, o governador Ibaneis Rocha, cuja conduta é investigada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, ainda têm o benefício da dúvida, pois alega que foi enganado por informações falsas que lhe foram passadas. O mesmo já não acontece com o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública de Brasília Anderson Torres, que teve a prisão preventiva decretada e ainda não retornou ao país.
A situação de Torres cada dia se complica mais. As investigações o colocam no estado-maior da conspiração, sendo o principal responsável até agora pela desmobilização das forças de segurança que seriam necessárias para conter os vândalos na Esplanada dos Ministérios, impedindo que chegassem à Praça dos Três Poderes. O mais grave, porém, foi a minuta de decreto para instaurar o "estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)" e mudar o resultado das eleições de 2022, que Polícia Federal (PF) encontrou na casa dele.
Esse seria um indício, segundo investigações preliminares, de que havia uma conspiração para dar um golpe de estado, no qual Jair Bolsonaro seria mantido no poder, mesmo tendo sido derrotado nas urnas. O quebra-quebra em Brasília no dia da diplomação, o frustrado atentado à bomba nas imediações do aeroporto, o acampamento à porta do QG do Exército, a desmobilização de forças de segurança para facilitar o assalto à Praça dos Três Poderes, a estranha viagem do secretário de segurança de Brasília para Miami, tudo faz mais sentido agora. Até que ponto Bolsonaro e seu círculo íntimo de amigos militares estão envolvidos? Quem tem a resposta é Anderson Torres.