Por CARLOS MARUN — Advogado, foi ministro de Estado
A democracia foi diversas vezes utilizada por seus adversários como instrumento para destruí-la. É célebre e exemplar a forma como Hitler chegou ao poder na Alemanha. A democracia sempre se recusou a se autodefender. Assim sendo, é possível que tenhamos vivido no Brasil uma histórica primeira experiência de atitude combativa da democracia. Uma democracia que não aceitou assistir inerte à própria destruição.
O alerta definitivo veio dos EUA, onde a democracia só reagiu quando se contavam os mortos no Capitólio. No Brasil a democracia resistiria a um golpe como aquele? Dificilmente. Então, era preciso agir antes. Prevenir porque seria impossível remediar.
O Estado Democrático de Direito era cláusula pétrea posta na nossa Constituição, mas foi com a chamada Lei da Defesa da Democracia, sancionada em setembro de 2021, que as coisas começaram a funcionar na prática. Ali ficou estabelecido que a democracia é tão importante que foram tipificados como crime os atos ou atitudes que tentassem destruí-la. Isso lançou na criminalidade todos aqueles que, principalmente, financiavam os movimentos antidemocráticos e permitiu ao Judiciário agir, buscando cortar o mal pelo estrangulamento financeiro.
Coube a Alexandre de Moraes liderar essa reação da toga. E teve o apoio de seus pares na Suprema Corte e no Tribunal Superior Eleitoral para tanto. É possível e até provável que aqui ou acolá tenham ocorrido excessos, mas no Judiciário se permite a contestação por meio da apresentação de recursos e em uma ditadura nem existe onde os recursos possam ser apresentados. Diante da inércia de parlamentares naquele momento mais preocupados com sua reeleição, coube ao Judiciário manter o trem nos trilhos.
Não sou dos que concedem a Alexandre de Moraes, e a nenhum outro magistrado, a dogmática prerrogativa da infalibilidade. Não cheguei a ser seu colega como ministro no governo Temer. Atuo, inclusive, em alguns processos que buscam reverter algumas de suas decisões. Mas é impossível deixar de reconhecer que Alexandre de Moraes foi o homem certo na hora certa.
Possuidor de coragem invejável até por mim, que me considero corajoso, foi à luta munido da legislação vigente. Conduziu com mão de ferro a eleição. Combateu incansavelmente a mentira, jogando na ilegalidade o direito de mentir que muitos defendiam como liberdade de expressão. Foi transformado em objeto de ódio por 10 em cada 10 bolsonaristas, mas foi contra Lula que tomou sua decisão mais importante na eleição. Como Bolsonaro iria se defender das próprias palavras se foi ele próprio quem disse que "pintou um clima" quando viu meninas de 14 anos de minissaia na rua buscando programas se pudesse ser questionado sobre isso? Pois foi Alexandre quem proibiu que Lula fizesse essa pergunta em um debate.
Concluída a eleição sem que uma única concreta evidência de fraude fosse apresentada, Alexandre de Moraes foi transformado pelo bolsonarismo na razão de sua derrota, em mais uma narrativa falsa de um movimento que se especializou em buscar culpados externos para as próprias mazelas.
Bolsonaro não agiu fora das quatro linhas da Constituição, dirão muitos. Porém nunca deixou de ter o golpe no coldre e, com sua retórica, manteve-se em uma permanente aposta no caos. Precisava ser contido. E o foi.
Deve ser destacado ainda o papel dos comandantes militares da ativa das nossas FFAA, que, mesmo provavelmente contrariados com o resultado da eleição, as mantiveram no seu papel constitucional e se recusaram sempre a participar de qualquer aventura. É isso. Alexandre de Moraes tirou a democracia da defensiva e foi com ela para o ataque. Por isso fez história. Parabéns.
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