Os atos de vandalismo e depredação ocorridos em Brasília no último domingo, e que provocaram uma onda de repúdio da sociedade civil e a reação forte de representantes dos Três Poderes, foram alimentados pelo que pode ser considerado um dos grandes males do século 21: a desinformação. Nos últimos anos, a propagação de mentiras, distorções, descontextualizações e omissões tem sido sistematicamente utilizada como arma de destruição da verdade.
O objetivo é desorientar, confundir e até instaurar uma "realidade paralela", moldada de acordo com os interesses e valores de grupos que lutam pelo controle da hegemonia da narrativa e, assim, direcionar as opiniões de seus seguidores. Trata-se de um ataque incessante aos fatos, em nome da conquista de espaço e de poder. E o fenômeno não é exclusivo do Brasil. Por isso, a imensa repercussão no mundo inteiro dos atos criminosos de domingo, com a condenação imediata e contundente vinda dos líderes de nações democráticas.
No best seller Os engenheiros do caos Os engenheiros do caos, o escritor italiano Giuliano Da Empoli lembra que líderes populistas mantêm permanente mobilização digital para estimular posicionamentos extremistas. "Para que uma dúvida possa se desenvolver no coração da maioria flexível, é necessário que o argumento radical obtenha uma massa crítica que o sustente. Por isso, Trump e outros populistas não podem se permitir renunciar aos seus apoios mais extremos; são esses que constituem a pedra fundamental da mobilização em seu favor", explica o pesquisador no livro que revela como fake news, algoritmos e teorias da conspiração são utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições.
Com a legitimidade garantida pelo resultado das urnas obtido nas últimas eleições, o novo governo federal deve se debruçar com máxima atenção aos problemas reais provocados pela disseminação da desinformação. E deve trabalhar em conjunto com os outros poderes para manter uma ação permanente de vigilância capaz de identificar, com presteza e precisão, a propagação de fake news e reagir com celeridade e rigor. Porque há no país um grande número de pessoas que não consegue mais separar os fatos de mentiras compartilhadas em grupos de WhatsApp, Telegram e outros aplicativos. Acreditam no que desejam acreditar.
O filósofo norte-americano Harry G. Frankfurt, no livro Sobre a verdade, lembra que um dos grandes problemas da mentira é a necessidade do isolacionismo. "Uma pessoa que acredita numa mentira é forçada por ela a viver 'em seu próprio mundo' - um mundo em que os outros não podem entrar e em que nem o próprio mentiroso vive de verdade", explica o filósofo. "Desse modo, a vítima da mentira está, na medida de sua privação da verdade, excluída do mundo da experiência comum e isolada num reino ilusório para o qual não há nenhum caminho que os outros possam completar ou trilhar", complementa Frankfurt.
Assistimos, atônitos, aos crimes praticados no último domingo pelos súditos desse 'reino ilusório'. E ficamos revoltados com a destruição do patrimônio público. Por isso, devemos defender a punição exemplar dos criminosos e redobrar a atenção para as consequências nefastas de viver em uma sociedade incapaz de distinguir verdades da mentiras. Recorremos novamente à obra de Harry G. Frankfurt para reproduzir uma advertência contida no livro Sobre a verdade: "Uma sociedade que mostra um desleixo permanente e temerário em qualquer um desses aspectos está fadada a declinar".
Por fim, mais um lembrete do filósofo, baseado na observação da trajetória da humanidade ao longo dos séculos: "As civilizações nunca avançaram de maneira saudável, e não podem avançar de maneira saudável, sem grandes quantidades de informação factual confiável, tampouco podem prosperar se são cercadas por incômodas infecções de crenças errôneas". Debelar a infecção doentia provocada pelas fake news, eis mais um desafio para as autoridades constituídas em nossa democracia.
Cobertura do Correio Braziliense
Quer ficar por dentro sobre as principais notícias do Brasil e do mundo? Siga o Correio Braziliense nas redes sociais. Estamos no Twitter, no Facebook, no Instagram, no TikTok e no YouTube. Acompanhe!
Newsletter
Assine a newsletter do Correio Braziliense. E fique bem informado sobre as principais notícias do dia, no começo da manhã. Clique aqui.