Ante a inédita e ignóbil ação da malta de extremistas bolsonaristas na Praça dos Três Poderes, com a destruição de instalações do Executivo, Legislativo e Judiciário e ofensa grave aos símbolos da República, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou intervenção na Segurança Pública do Distrito Federal.
Em consonância com o Executivo, as duas casas legislativas encaminharam votações simbólicas para aprovar, de forma sumária, os termos da intervenção. Ao agradecer a colaboração dos parlamentares, o chefe do Planalto fez uso do bom senso. "Eu, sinceramente, não gostaria de ter feito um intervenção. Gostaria de ter resolvido isso conversando. Mas as pessoas que estavam lá não estavam dispostas sequer a conversar porque elas faziam parte daqueles que estavam praticando vandalismo no Brasil", disse o presidente da República.
É indiscutível que a tragédia ocorrida no domingo denota uma falha imperdoável da Segurança Pública na capital federal, sob responsabilidade do Governo do Distrito Federal. Espera-se que as investigações em curso identifiquem e submetam ao veredito da Justiça todos os responsáveis pela ação dos criminosos que tomaram de assalto os prédios dos Poderes da República. Mas, frise-se: a intervenção precisa ocorrer sobre os agentes públicos omissos, e não sobre a autonomia política do DF.
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Por determinação constitucional, Brasília abriga os Poderes da República. É sede federal de instituições relevantes, como o Ministério Público, e associações como a Ordem dos Advogados do Brasil. Hospeda, ainda, as representações diplomáticas. Mas a capital da República também é uma cidade dos brasileiros. Tem personalidade própria, anseios comunitários, população com demandas comuns, eleitores e contribuintes. Graças a um esforço do qual o Correio Braziliense fez parte, Brasília obteve sua autonomia política, libertando-se da tutela do Poder central. Graças ao espírito democrático da Constituição de 1988, os moradores do Distrito Federal conquistaram o direito de decidir o próprio destino. Isso se chama democracia.
Por essa razão, recomenda-se cautela na discussão. Os malfeitos praticados por aqueles que contribuíram, por atos ou omissões, com os trágicos eventos de domingo não têm relação alguma com a autonomia do Distrito Federal. E mais: as falhas que permitiram um bando de celerados destruir os monumentos da República também recaem sobre os órgãos de inteligência do governo federal, bem como de setores das Forças Armadas.
Esses episódios impõem uma reflexão sobre a integridade do Distrito Federal, como sede da União. É possível discutir modelos de cooperação para preservar a capital a República. Mas essa decisão não passa por extirpar os direitos de cidadãos brasileiros.
O argumento de reforçar a Segurança em uma unidade da Federação para restabelecer a ordem também precisa ser observado com precaução. A dar continuidade a esse raciocínio, poderia defender-se a intervenção na Segurança Pública do Rio de Janeiro, onde o crime organizado e as milícias sufocam o estado fluminense e martirizam milhões de pessoas. Ou ainda proclamar uma ação federal nos estados que integram a Amazônia, considerando as proporções do desmatamento e a cadeia de ilícitos por grupos organizados. Em assunto tão delicado e complexo, convém parcimônia e sensatez.