Brasília

Artigo: Para voltar a sorrir

Era uma terça-feira de carnaval, em 1977. O dia ? Pesquisei no Google: 22 fevereiro! O primeiro contato visual que tive com Brasília foi pela pequena janela do avião. Lembro-me bem. Só via terra e mata. No aeroporto, a constatação era a de que havia pouco na cidade. Deixei o Rio de Janeiro, no recém-inaugurado e pomposo Galeão, modernizado, para o acanhado aeroporto da capital. Eu tinha 11 anos de idade. Minha mãe chorava, pois deixara para trás pais, tias, primas, amigas e uma vida. Chegávamos para uma longa temporada no Planalto Central: meu pai havia sido transferido, e seu lugar de trabalho era aqui.

No trajeto até a 304 Norte, onde moramos por mais de 30 anos, ruas absolutamente vazias. Uma imensidão de espaço a ser ocupado. Árvores baixas no Eixão, quadras parecidas, uma paisagem que não me sai da cabeça, quase 45 anos depois. Meu pai falava em voltar, assim que pudesse se desvencilhar do serviço público. Era carioca da gema, queria a praia, o samba, a agitação. Ficou por aqui. Ficamos. Eu nunca quis sair, jamais pensei em viver em outro lugar.

Fiz essa introdução enorme para dizer que a minha vida e Brasília se misturam, de forma inseparável. Cresci e vi a cidade crescer. No domingo, de plantão no Correio, assisti pela tevê e ouvi relatos dos nossos combativos repórteres sobre a destruição causada por vândalos na cidade que tanto me orgulha. Fizemos uma edição histórica do jornal impresso - e também para o site.

Durante décadas, levei dezenas de parentes e amigos para conhecer aqueles palácios barbaramente demolidos. Acompanhei, em um dos vídeos, uma sala do Senado onde há uma coleção de fotos: há tempos, descobri ali, como "turista", que o Marques de Sapucaí integrou a Casa em algum período do século 19! Para um nascido no Rio de Janeiro, descoberta fascinante... Também trabalhei naqueles locais, como jornalista.

A minha certeza é de que os homens e as mulheres que atacaram Brasília no domingo passado não são daqui. Ou vieram de algum pântano — uso uma simbologia escrita no artigo de segunda-feira do Correio pelo jornalista André Gustavo Stumpff — ou guardam algum rancor incontido (e inexplicável) pela cidade que mudou os rumos do Brasil em seus quase 63 anos de história. De qualquer maneira, seja qual for a origem desses terroristas, eles não conhecem Brasília. Se conhecessem, jamais teriam feito aquilo.

As lágrimas da minha mãe, relembradas na abertura deste artigo, viraram choro de alegria em Brasília. Com os netos, as vitórias dos filhos, os momentos de alegria. Brasília também chorou esta semana. Mas vai voltar a sorrir. Todos nós vamos sorrir. Hoje já é um novo dia. 

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