Por Raul Velloso — economista
Enquanto os lamentáveis incidentes do último domingo se propagavam na Esplanada dos Ministérios, fiquei refletindo sobre os problemas urgentes que, esses também, o novo governo precisa atacar com muita força e determinação para colocar o país nos trilhos. Nesse contexto, e ao contrário do que muitos imaginam (inclusive autoridades da área), penso que o elevado deficit previdenciário de todos os entes públicos, vistos em conjunto, é o problema econômico central do país, a cuja solução, ainda que demorada, os governos que se iniciam, incluindo a grande maioria dos municípios, devem se dedicar prioritariamente.
Sem isso, não haverá espaço orçamentário adicional capaz de ampliar os supernecessários investimentos públicos em infraestrutura, para o país recuperar as elevadas taxas de crescimento do PIB do passado. Tais investimentos caíram nada menos do que 9 vezes, quando medidos em % do PIB, dos anos 80 para cá, saindo de algo ao redor de 5,1% para 0,6%. A correlação entre investir em infraestrutura, de um lado, e fazer o PIB crescer e melhorar a distribuição de renda, do outro, é altíssima, como se pode ver nos gráficos relacionados com o tema, que colocarei no sítio do fórum que dirijo, da Internet (buscar em "fórum nacional - INAE", no YouTube, no último evento realizado).
Dois outros motivos para justificar a prioridade máxima do esforço de equacionamento previdenciário são, primeiro, o simples fato de a última reforma da Previdência ter estabelecido a obrigação de fazê-lo (par.1º. do art. 9º. da EC 103/19), algo que está praticamente concluído no meu Piauí, graças ao empenho de seu último governador, Wellington Dias, atual ministro do Desenvolvimento Social. Segundo, porque estou convicto de que a execução dessa importante tarefa se confunde com a da fixação da tão ansiada âncora fiscal que deverá substituir o falecido teto de gastos, algo que virou um compromisso assumido pelo novo governo diante da onda de pessimismo que se estabelecera no seio dos mercados financeiros, em relação à sua real capacidade de administrar bem as próprias finanças. Lula deveria aproveitar a reunião sobre o terrorismo, de domingo, que acaba de ser marcada com os governadores, para tratar disso com eles, tendo o ministro Dias a tiracolo.
Registre-se que a grande dificuldade para a gestão macroeconômica se apoiar apenas em uma regra simples e genérica como a do teto de gastos (no caso mais recente, via um simples limite de taxa de crescimento anual igual à inflação para o total das citadas despesas) se deve ao elevadíssimo peso dos chamados gastos obrigatórios em nossas pautas, itens esses extremamente rígidos à queda. Dado o limite imposto ao crescimento total, a alta rigidez dos gastos obrigatórios acaba empurrando os eventuais ajustes somente para o ambiente dos gastos discricionários, cada dia com menor peso no total (hoje ao redor de 5%), onde o item cujo encolhimento se destaca é precisamente o relativo aos investimentos em infraestrutura.
O fato é que mesmo os analistas da área não parecem ter percebido o forte crescimento de dois itens da pauta de gastos federais, exatamente Previdência e assistência social, desde 1987, ano-véspera da promulgação da atual Constituição.
Aliás, o peso do valor consolidado apenas desses dois itens pulou de 28,3 para 68,2% do total, implicando um crescimento de cerca de 170% na sua participação conjunta no total, em 1987-2021, enquanto os demais itens, que podemos chamar de residuais, caíam de 71,7% para 31,8% do total. E como assistência social é a óbvia prioridade do novo governo, algo que acabará levando a um aumento do peso desse item em breve, o foco do esforço de contenção das despesas deve se dirigir exatamente para o item Previdência, já que os demais atingem níveis atipicamente baixos, cabendo ainda destacar que, em contraste, o peso do item investimento no total gasto pela União se reduziu de 16% para 2,2%, entre 1987 e 2021, algo dificilmente sustentável ainda que apenas por algum tempo, sob pena de a taxa de crescimento do PIB potencial desabar fortemente.
Nessa discussão, cabe examinar o que tem ocorrido com o conjunto de todos os regimes previdenciários não só da União, mas também de todos os demais entes estaduais e municipais, em uma fase mais recente, envolvendo períodos subentendidos entre 2006 e 2021, por meio das seguintes taxas de crescimento médio real dos seguintes componentes desse mesmo item. em contraste com o crescimento médio real do PIB de apenas 1,6% em 2006-21. Em ordem crescente, a taxa análoga relativa ao regime previdenciário próprio dos servidores da União foi de 3,1% a.a. nesse mesmo período; de 5,1% em 2006-20 para o RGPS ou regime do INSS; de 5,9% a.a. em 2006-18 para os regimes próprios estaduais; e 12,5% a.a. em 2011-18, para o agregado dos regimes próprios municipais, algo chocante.
Finalmente, cabe esclarecer que os investimentos privados em infraestrutura têm oscilado em torno de 1,1% do PIB desde os anos 80, deixando pouca esperança de que eles tenham um papel mais relevante no curto prazo.
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