NELSON MUSSOLINI - Presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS)
O sistema brasileiro de saúde pública é um exemplo global. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior plano público de assistência médico-hospitalar do mundo, com cerca de 70 milhões de pessoas que dependem única e exclusivamente dele e mais de 120 milhões de pessoas que usam o SUS de alguma forma — direta ou indireta.
Por isso, o SUS pode ser uma alavanca importante para o incentivo do complexo industrial da saúde, uma das prioridades do novo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Podemos e devemos tirar proveito do preceito constitucional segundo o qual "a saúde é direito de todos e dever do Estado". Aquilo que para muitos é um problema, pode ser uma solução.
O poder de compra do setor público pode ser usado para incentivar a indústria localizada no país ou atrair empresas para cá, independentemente da origem do seu capital; pode estimular transferências de tecnologia, criar sinergias que propiciem reduções de preços e melhorem o ambiente de negócios no país. Mas sempre no marco de regras claras, pois existem duas premissas fundamentais para o desenvolvimento da indústria farmacêutica e da indústria de saúde: previsibilidade e segurança jurídica. Em um setor que para desenvolver um novo produto precisa de anos de vultosos investimentos e sempre se defronta com a incerteza do resultado final, nada é viável sem que haja um ambiente estável para estimular os investimentos necessários.
Exemplo marcante dessa dinâmica virtuosa se deu durante a pandemia, quando a realização de pesquisas clínicas e a produção no Brasil de vacinas contra a covid-19 só se concretizou graças às negociações de transferência de tecnologia entre indústrias farmacêuticas nacionais e internacionais, laboratórios públicos, centros de pesquisa e autoridades brasileiras e mundiais.
Ao mesmo tempo, não faz sentido dividir o sistema de saúde entre público e privado. Saúde é saúde. O privado na saúde é suplementar ao público, auxiliando naquilo que se precisa fazer. Tome-se o sucesso notável do programa Aqui Tem Farmácia Popular, baseado numa parceria entre a indústria e o varejo farmacêutico e o governo.
Assim, o caminho é ampliar essa colaboração. Especialmente no Brasil, onde os recursos públicos são escassos na área de investimento, o Estado não deve investir um único real em algo em que não tenha certeza de retorno. Na saúde, assim como em outras áreas, cabe ao setor privado correr o risco do investimento, tendo em vista o potencial futuro tanto do mercado institucional quanto privado.
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Tampouco faz sentido a Lei 14.313, de 2022, que dispõe sobre os processos de incorporação de tecnologias ao SUS e sobre a utilização, pelo sistema público, "de medicamentos cuja indicação de uso seja distinta daquela aprovada no registro da Anvisa", é um verdadeiro atentado contra o SUS, a Anvisa e, por consequência, a saúde pública. Essa regra deveria ser revogada imediatamente.
Essa lei só faria algum sentido se o uso off label fosse adotado para doenças que não têm medicamentos registrados na Anvisa e depois de amplo debate com a sociedade. Havendo solução terapêutica, devidamente aprovada pelo órgão regulador, que, por sinal, é um dos mais respeitados do mundo, não há motivo plausível para colocar em risco, ainda que mínimo, os usuários do SUS e a saúde pública.
Portanto, se algumas regras forem mudadas, a perspectiva para a indústria farmacêutica e o complexo produtivo da saúde no país é muito favorável. Temos centros de excelência na área de desenvolvimento — e isso é muito importante. Temos grandes universidades e grandes hospitais. Poucos países hoje têm uma medicina tão avançada quanto a brasileira.
Reafirme-se: o que falta é usar de forma adequada o poder de compra do Estado e resolver a questão tributária. Não se reivindica aqui benefícios fiscais, mas, sim, uma carga tributária de melhor qualidade, que não iniba a capacidade das empresas de gerar inovação, empregos e riqueza para o país, em prol de toda a sociedade.
Vamos encontrar saídas inteligentes para solucionar problemas complexos. Não existem saídas simples para questões complexas. E o setor farmacêutico está pronto a participar desse debate com gestores e especialistas, buscar modelos e firmar compromissos com o governo, no sentido de aprimorar o acesso da população brasileira a bens e serviços de qualidade na saúde. Pois um fato é inegável: não existe país desenvolvido que não tenha uma indústria farmacêutica forte.