O modus vivendi dos caretas tem uma rígida dieta prescrita. Não engolem, nem digerem nada diferente. Além de comer a mesma comida sempre, bebem da mesma fonte, vestem-se igualzinho, habitam o mesmo tempo-espaço (algum lugar do passado) e teimam em criticar, desprezar, anular, ridicularizar, não aceitar. Mais do que isso, há a parcela que transita da caretice ao crime, passando a discriminar, agredir e até matar o diferente.
O preconceito é cafona. A caretice é cafonérrima. Tudo isso cheira a mofo. Como um sopro, chegou até mim e a milhares e milhares de brasileiros uma das cenas mais lindas da nossa caminhada democrática: aquele grupo brasileiro diverso e plural subindo a rampa para passar a faixa presidencial a Lula no dia da posse. Nunca se viu tamanha representatividade.
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Havia mais sorriso que pompa. Menos rito solene; mais energia e conexão entre as pessoas. Foi de fato um espetáculo democrático, capitaneado por uma primeira-dama, a Janja, que gosta de ser chamada pelo apelido, que mostra autenticidade a cada atitude ou palavra. E esta talvez seja a parte mais indigesta para os caretas de plantão — como assim uma mulher que não está à sombra do presidente?
A cena da posse lembrou-me do filme Encanto, da Disney, que mostra uma família como ela é. Já falei sobre o enredo aqui. Apenas recordo-me para jogar luz no personagem misterioso, o tio vidente, Bruno, aquele sobre quem ninguém fala em público e que reflete o típico tema familiar que é tabu, motivo de emoções diversas. Em todos os lares e fora deles, há assuntos proibidos; há pessoas escondidas; há histórias que não se comentam. É preciso tirar os tabus dos armários.
A diferença é o que há de mais precioso. Cor, credo, opção sexual, deficiência, qualquer tipo de condição diversa. Tudo isso é o que completa a humanidade e a torna tão especial. Não reconhecer a diversidade, nem dar o devido valor a ela, não vai mudar a realidade.
O ódio aos diferentes é um desperdício de energia, além de ser uma porta de entrada para a ignorância, para o abandono, para o ostracismo. Uma hora o preconceituoso se vê sozinho, no alto de uma torre, construída sobre o peso dos pensamentos cristalizados e mesquinhos. Fica lá, sozinho. Porque o preconceito, acima de tudo, amargura, causa mau humor, afasta todo mundo.
Dar visibilidade à diversidade e exigir respeito a ela é a revolução mais necessária e poderosa que existe. Que o presidente Lula seja capaz de transformar a cena da posse em realidade. E os cafonas que se abram, se libertem, exorcizem seus demônios e experimentem uma dieta verdadeiramente saborosa: a vida como ela é.