O Brasil é o país das cores. Essa característica está na pele dos mais de 200 milhões de brasileiros. Ontem, pela primeira vez na história, a incompreendida diversidade, motivadora de injustiças sociais e econômicas, foi rompida. Ela subiu a rampa do Palácio do Planalto e deu a resposta por milhões aguardada. Quem passará a faixa presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva, vitorioso nas eleições de 2022 e que pela terceira vez comandará o Brasil? O rito do Decreto 2.299, de 21 de dezembro de 1910, foi quebrado. Em vez de o antecessor colocar a faixa no eleito, a cerimônia teve como protagonistas oito brasileiros, que representaram as diferentes camadas sociais e étnicas que dão colorido ao tecido demográfico da nação. O símbolo passou pela mão de cada um deles até ser colocado em Lula pela catadora de recicláveis, Aline Sousa, 33 anos, negra, que há três preside a cooperativa Rede Centcoop do Distrito Federal.
Francisco, um menino negro de 10 anos, de São Paulo, representou as crianças que moram na periferia; Wesley Viesba Rodrigues Rocha, 36 anos, metalúrgico do ABC (SP); Murilo de Quadros Jesus, professor de português; Jucimara Fausto dos Santos, cozinheira; Ivan Baron, influencer na luta contra o capacitista, com a mobilidade comprometida pela poliomielite; Flávio Pereira, artesão; e Raoni Metektire, 90 anos, grande guerreiro e líder do povo Kaiapó, do Parque do Xingu. Ele é reconhecido no mundo, pelas suas ações em defesa da vida e do respeito aos povos originários. Lula dividiu o espaço com todos. Uma mostra de que as diferenças não impedem ninguém de estar ou alcançar o mesmo patamar.
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A diversidade, no entanto, é incompreendida e tem sido, há séculos, um paradigma que deforma as relações em sociedade, estabelece castas e produz injustiças sociais e econômicas. Difícil corrigir tamanha aberração, resultado de uma educação distorcida. Eis um dos motivos da expansão do racismo e dos preconceitos, que mutilam e ceifam vidas no país. As deformidades estão no campo laboral, tanto público quanto privado, nas instâncias de poder, na representação política no Congresso Nacional, nos legislativos estaduais e municipais, no Judiciário. A discriminação não se dá só pela cor da pele, apesar de os pretos e pardos serem alvos frequentes das forças de segurança pública. Os negros somam mais 70% dos mortos — a maioria jovens — em confrontos com a polícia. Também são a maioria das vítimas das chacinas ocorridas na periferia de cidades, como o Rio de Janeiro.
Em seus dois discursos — no parlamento e no parlatório, para mais de 30 mil pessoas —, o presidente prometeu enfrentamento rigoroso dessas discrepâncias. Condenou a discriminação às mulheres que recebem salários inferiores ao de homens ainda que tenham igual formação e desempenhem a mesma atividade.
Mas além das questões étnicas e raciais, há os preconceitos por gênero. Tanto mulheres quanto o segmento LGBTQIA são alvos da intolerância e da violência e da discriminação. Portas no campo do trabalho são fechadas para eles, ainda que sejam capacitados para o desenvolvimento de atividades diversas. Mas não só isso. São alvos da letalidade dos misóginos e homofóbicos. O Brasil precisa se reconstruir como um país civilizado. É uma tarefa difícil. Mas não é possível postergar o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à eliminação de visões equivocadas e incompatíveis com os valores do século 21.