Quem vive no Distrito Federal desde a inauguração de Brasília sabe que a realização do sonho secular da interiorização da capital federal do Brasil não foi tarefa fácil. Ao contrário, o grande presidente JK teve que mostrar uma competência incrível não só na construção física da nova cidade, mas também na luta contra fortes interesses, especialmente dos funcionários públicos, forçados a vir trabalhar aqui e, por isso, contrários à mudança. Uma baita energia negativa...
Logo depois, em 1961, tomou posse na Presidência da República um adversário de Juscelino, Jânio Quadros, pregando em sua campanha "varrer a corrupção do governo de JK", concentrando sua fúria eleitoral contra a incipiente Brasília. Na época, falava-se o tempo todo na volta da capital federal para o Rio de Janeiro.
Com isso, o famoso "ritmo de Brasília" ficou prejudicado, parando a maioria das obras necessárias ao funcionamento de uma capital federal. Logo depois, veio a renúncia de Jânio. Em seguida, veio a revolução militar de 1964, desmoralizando Brasília logo no seu começo: as tropas mineiras foram em direção ao Rio de Janeiro, considerada a capital de fato.
Só mesmo a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, mostrou que Brasília tinha se tornado, mesmo, a capital do Brasil. Na Constituição de 1988, duas vitórias para Brasília: o direito de voto, que deu ao DF seus representantes políticos, e o Fundo Constitucional, responsável pelo pagamento dos serviços públicos de Segurança, Saúde e Educação de todo o DF. Enquanto isso, aumentava a população carente em todo o entorno de Brasília.
Em 12 de dezembro do esquisito ano eleitoral de 2022, Brasília foi violentada por radicais manifestantes que, embora agindo na frente da polícia e agredindo pessoas que apenas passavam, não foram presos. Botaram fogo em cinco ônibus e muitos carros, inclusive um defronte a um posto de gasolina, chegando ao absurdo de tentar invadir a sede da Polícia Federal. Não é demais?
Assim, transformaram o ambiente do centro da capital federal em uma praça de guerra. Criaram uma sensação de insegurança em Brasília e no DF, nestes tempos de radicalização entre lulistas e bolsonaristas. Os vândalos agiam aparentando que os absurdos que faziam tinham sido muito bem orquestrados. Seriam profissionais? O pior é que os vandalismos se repetiram, no dia 8 de janeiro, contra a Praça dos Três Poderes, onde fica o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, símbolos da nossa democracia.
A notícia e fotos de tais vandalismos chegaram a todo o Brasil e até no exterior, pelas redes sociais, explodindo as fake news. Porque Brasília também é capital federal, muitas ruas por onde as pessoas passam, no Plano Piloto, para vir ao trabalho e voltar para casa, foram bloqueadas, tendo em vista as medidas de segurança que o governo do DF tomou para evitar que continuassem manifestações tão radicais. A dúvida gerou a prisão do ex-secretário de Segurança e o afastamento do governador Ibaneis.
Ficou claro que os chamados terroristas são, na sua grande maioria, gente maldosa que veio de fora, de outras cidades. Após tanta barbárie, os que ficaram, presos, estão usando, de forma privilegiada, a tão carente estrutura de saúde e de segurança da cidade. Os que voltaram esculhambam com a imagem de Brasília, assim duplamente castigada. Falam até em acabar com a representação política e o Fundo Constitucional.
Os moradores do DF, que enfrentam o ineficiente, deficitário e desconfortável transporte coletivo ao virem para o Plano Piloto, e vice-versa, assim garantindo o funcionamento da maioria das empresas de Brasília, inclusive as repartições do governo, é que sofrem mais porque a cidade onde moram e trabalham é, também, a capital federal. Sofrem, mas não podem faltar, senão, perdem o emprego.
Pior de tudo é que Brasília, por abrigar os políticos que todo o Brasil manda pra cá, ganhou injustamente um triste apelido: "capital da corrupção" — o que revolta a sua cidadania, que, por isso, mesmo nada tendo a ver com tais pecados, é até agredida em outras plagas — só porque seus carros têm a placa de Brasília.
Ou seja, como diz o título, dói, dói muito morar em uma cidade que nós construímos, depois de deixarmos nossas terras de origem, para aqui passar a viver e até a consolidá-la — e, por isso, é nossa, muito nossa, mas que também é capital federal — ou seja, também é de todos.
* Wílon Wander Lopes é advogado e jornalista. É presidente da Confraria dos Cidadãos Honorários de Brasília
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