A situação dramática vivida pelos índios ianomâmis, que tem chocado o mundo, precisa ser revertida urgentemente. Não é possível que um país como o Brasil, que tem na sua Carta Magna compromisso com os direitos humanos e garantia de acesso à saúde e à educação, permita que uma parcela de sua população seja dizimada pelo descaso. Alertas sobre a catástrofe humanitária que estava ocorrendo na Amazônia não faltaram nos últimos quatro anos, mas, em vez de ouvir aqueles que pediam socorro, as autoridades de plantão optaram por apoiar justamente os responsáveis pela tragédia, os garimpeiros ilegais e os madeireiros devastadores. Um genocídio, crime que será investigado pela Polícia Federal.
Os dados colhidos pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério da Saúde são estarrecedores. Ao menos 52% das crianças ianomâmis de até cinco anos estão desnutridas — nas tribos mais isoladas, esse índice chega a 80%. São indicadores piores do que os observados no Sul da Ásia e na África Subsaariana, onde se registra o maior número de crianças que não têm o que comer. Com fome, os pequenos indígenas tornaram-se alvos fáceis para doenças oportunistas, como as respiratórias. Dos 99 óbitos dessa parcela da população ianomami verificados no ano passado, 38% estavam relacionados à inflamação nos pulmões, à covid-19 e à Síndrome Respiratória Aguda, todas evitáveis. Em quatro anos, foram 570 mortes. Uma perversidade.
No caso dos idosos, a situação não é diferente, com a desnutrição ceifando vidas sem piedade. Mais: nos últimos dois anos, foram computados 44 mil casos de malária entre os ianomâmis, que, no total, somam 28 mil pessoas. Ou seja, milhares tiveram a doença mais de uma vez. Todo esse quadro assustador decorre do desmatamento sem trégua e do garimpo que contamina os rios da região. Calcula-se que cerca de 20 mil garimpeiros ilegais estejam espalhados por 80% das terras ianomamis, que são demarcadas e deveriam estar protegidas, como determina a Constituição. Nem a Polícia Federal nem as forças Armadas conseguiram conter as invasões.
Saiba Mais
A verdade é: a Amazônia está à deriva. Tanto que o Vale do Javari, situado na tríplice fronteira de Brasil, Peru e Colômbia, onde foram brutalmente assassinados o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira, transformou-se na segunda porta de entrada de cocaína no Brasil. O crime organizado se aproveitou, de todas as formas, da ausência do Estado. Não será, portanto, tarefa fácil colocar a casa em ordem e proteger a floresta e os povos originários. Os órgãos encarregados de fazer esse trabalho foram sucateados, especialmente o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), esta última, encarregada de cuidar de 14% do território brasileiro, que são demarcados.
Nos últimos quatro anos, infelizmente, o Brasil normalizou a violência contra os indígenas e aqueles que levantaram a voz para defendê-los. É imperativo reverter esse absurdo. Um passo importante nesse sentido foi a criação do Ministério dos Povos Originários. Mas de nada adiantará lançar mão de mais uma estrutura burocrática se não houver o empenho real das autoridades no combate aos ataques a indígenas. Presidente indicada da Funai — ela tomará posse em 5 de fevereiro —, a deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR) já avisou que, sem suporte financeiro e de pessoal, os ianomamis e os demais indígenas continuarão sendo dizimados pelos criminosos.
Os tempos de omissão ficaram para trás. A sociedade como um todo deve cobrar os governos para que cumpram a lei e evitem o massacre dos povos originários. Se alguém ainda acredita que os indígenas estão protegidos em suas terras demarcadas, basta ver as imagens da realidade enfrentada pelos ianomamis. É um choque, mas necessário para que fake news não prevaleçam. A dívida do país com essa população é enorme. Passou da hora de honrá-la. É questão de humanidade.
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br