A dor, cruel e devastadora, se repete. Parece não ter fim. Famílias em prantos, saudade plantada à força no peito, quarto vazio, bandeiras baixadas a meio-mastro, presidente e demais autoridades consternados, flores e velas em homenagem aos mortos, vigílias, mais dor. Em um país de 337,3 milhões de habitantes, 400 milhões de armas estão à disposição de seus cidadãos. Sob o manto da Segunda Emenda à Constituição, que garante o direito à autodefesa e ao porte de armas, os Estados Unidos amargam a mais alta taxa de assassinatos por arma de fogo entre os países desenvolvidos — 4 por 100 mil pessoas, uma média 18 vezes maior do que a registrada em outras nações ricas.
No último sábado, a tragédia atingiu um estúdio de dança na cidade de Monterey Park, subúrbio de Los Angeles. Huu Can Tran, um imigrante de ascendência chinesa de 72 anos, disparou mais de 40 vezes no local e matou 11 pessoas. Tentou repetir o massacre em outro salão de danças de uma localidade vizinha, mas foi confrontado e desarmado por um funcionário. Escolas, cinemas, supermercados, igrejas, estúdios de dança, boates e festivais de música. Como disse o presidente Joe Biden, em 11 de julho de 2022, esses e tantos outros locais cotidianos se transformaram em "campos de extermínio".
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Retórica de efeito e vontade política não bastam, quando o lobby da poderosa Associação Nacional do Rifle (ANR) injeta vultosas quantias de dinheiro em campanhas eleitorais e quando o Congresso teme confrontar uma revisão da Segunda Emenda à Constituição ou debater leis mais rigorosas para deter a epidemia de tiroteios em massa.
A cada massacre em escolas nos EUA, marchas comoventes tomam as ruas das grandes cidades. Cobri uma dessas manifestações em Portland, no estado do Oregon, em março de 2018. "Vocês temem que nós levemos suas armas; nós tememos que vocês levem nossas crianças" era a frase estampada em um dos cartazes, durante a chamada "Marcha por nossas vidas". Foi impressionante testemunhar a revolta e o desespero de jovens estudantes, temerosos de se tornarem as próximas vítimas.
Por algumas vezes, conversei com Manuel Oliver, pai de Joaquín, um estudante de 17 anos que teve a vida ceifada por Nikolas Cruz, o jovem de 23 que invadiu a Escola de Ensino Médio Stoneman Douglas, em Parkland (Flórida), em 14 de fevereiro de 2018, matando 14 alunos e três funcionários. "Mais de 45 mil pessoas morrem por ano nos Estados Unidos, vítimas das armas. Isso é uma enorme perda para o meu país", desabafou ao Correio, depois de confrontar Biden, naquele discurso de julho de 2022.
É inadmissível e absurdo que as lideranças norte-americanas nada façam para deter esse horror. A inação abre espaço para que a dor, devastadora e cruel, se repita. Um pesadelo sem fim.
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