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Opinião

Artigo: Governo no século 21

O brasileiro, de repente, descobriu a sua força. Não está mais deitado em berço esplêndido. As autoridades, também num átimo, perceberam que suas decisões geram consequências

pri-1601-opiniao -  (crédito: Caio Gomez)
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postado em 16/01/2023 06:00

Por ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — Jornalista (andregustavo10@ terra.com.br)

A invasão dos principais prédios públicos da capital do Brasil é assunto que ainda vai render por muito tempo. As consequências vêm depois. O interventor federal Ricardo Cappelli está fazendo o que dele se espera. Determinou a exoneração de servidores da Secretaria de Segurança Pública do DF que estavam atuando no trágico domingo, nomeados pelo ex-secretário Anderson Torres. Esse é apenas o começo da operação de limpeza que se inicia pela polícia, mas pode alcançar escalões elevados até nas Forças Armadas.

A correlação de forças na política brasileira sofreu uma profunda guinada. Nada será como antes. Os tempos heroicos e algo ingênuos do esquerdismo petista ficaram na história. Ninguém mais é autorizado a brincar de levar o país para a esquerda por força de utopias estudantis ou decisões trabalhistas de fundo populista. Há uma oposição firme, forte, aguerrida, armada e municiada. Política deixou de ser um exercício retórico. Ou simples mexer de maxilares. Os brasileiros descobriram que podem fazer revoluções violentas e depredar patrimônio público. Podem tirar autoridades do cargo por meio de ação violenta.

As malandragens políticas ficaram pelo caminho. O governador Ibaneis Rocha, afastado do cargo, fez jogo duplo durante a campanha. Fingiu estar indiferente aos dois candidatos à Presidência, mas trabalhou ostensivamente pela candidatura de Damares Alves para o Senado Federal, conforme o desejo de Jair Bolsonaro. Derrotou a candidata Flavia Arruda, que fazia parte de um acordo para ser eleita senadora e posteriormente governadora.

Ibaneis esqueceu o acordo, favoreceu Damares, derrotou Flávia e o marido, José Roberto Arruda, candidato a deputado federal, e colocou em plano superior Celina Leão, uma noviça na política do Distrito Federal. Ela, originária de Goiás, tem pouco trânsito no DF. Teria dificuldades para se reeleger deputada federal. Virou vice-governadora quando o cargo foi ofertado a um empresário local, desde que fizesse generosa doação em dinheiro para a campanha. O que não aconteceu.

Essa é a história local. Celina Leão, sem querer nem imaginar, transformou-se em governadora do Distrito Federal. Ibaneis Rocha vai penar durante algum tempo fora de sua posição. Ele se desgastou com o presidente da República e passou a ser visto também com desconfiança dentro de seu partido, o MDB. O cristal da confiança se quebrou em diversos níveis. O Batalhão da Guarda Presidencial, criado no Império, não defendeu o Palácio do Planalto. Nunca, na história do Brasil, de muitas sublevações e guerras, a sede do governo foi invadida e depredada. Nem no golpe integralista de 1938 ocorreu algo semelhante. A primeira desconfiança é essa. A segunda é a absoluta omissão ou conivência da Polícia Militar do DF. É disso que se ocupa agora o interventor federal.

O alto comando petista levou um susto de boas proporções. Havia, de fato, um golpe de estado em gestação. E chegou perto de ser bem-sucedido. Contou com apoio, ostensivo ou velado, de altas autoridades do governo constituído. Sob certo aspecto, alcançou seus objetivos. Desmontou o governo que assumia o poder. Deixou a nação paralisada e perplexa. Se Bolsonaro fosse homem de ação, poderia ter se aproveitado do caos reinante naquele domingo e realizado a mudança de governo à força. O povo estava nas ruas, mobilizado e, pior, armado. Quem imaginou a sedição não previu que os atos chegassem tão longe. Depois de barbarizar o Supremo, o Planalto e o Congresso, não seria difícil invadir o Palácio da Alvorada e declarar um novo governo no Brasil. Seria a inesperada queda de uma Bastilha sul-americana.

Agora é o tempo de contabilizar perdas. Reafirmar lealdades. Não será um processo fácil nem simples. Sobram críticas aos novos ministros, aos antigos chefes, aos militares de alta patente que fecharam os olhos para a gravíssima crise institucional que tomou conta do país. Cuidar disso vai demandar tempo. Cada governo teve, no Brasil pós-Constituinte de 88, uma agenda própria. Sarney convocou a Constituinte e realizou a transição democrática. Collor abriu a economia. Itamar Franco estabilizou a moeda. FHC realizou as grandes privatizações e criou as agências reguladoras. Bolsonaro tentou o golpe. A Lula caberá a dura tarefa de pacificar o país.

O brasileiro, de repente, descobriu a sua força. Não está mais deitado em berço esplêndido. As autoridades, também num átimo, perceberam que suas decisões geram consequências. O Poder Judiciário não é ilha distante da realidade. Ele se insere na vida nacional. O mundo conectado pelas redes sociais não admite sigilos. Tudo é exposto em questão de minutos. Governar um país do tamanho do Brasil, com enorme economia, conectada com o mundo, cheio de problemas e imperfeições, exige rapidez, tirocínio e capacidade de se antecipar aos fatos. O episódio do dia 8 de janeiro pode ser apenas um aviso do que ainda está por acontecer.

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