Conhecemos-nos há mais de 50 anos. De jornalismo, são 36. Cresci em tuas asas e eixos. Das tuas praças e gramados, presenciei manifestações, festas, divisões de torcidas e até velórios, como o de Tancredo Neves, naquele abri de 1985, a frustração pela passagem daquele que encarnava a esperança na volta da democracia. Enfrentei uma fila que entrou madrugada adentro, para as despedidas. Ali, na fila, meus amigos da UnB, estudantes de jornalismo, história e arquitetura, lembraram da chuva que tomamos sob o chuva o bandeirão, quando Tancredo foi eleito em janeiro de 1985. Tu ainda eras uma jovem, que redescobria a democracia. A delícia da liberdade.
Mas nem tudo foram flores e água limpa. Sarney segurou as pontas democráticas, mas manifestações violentas viriam, o badernaço, quando o Plano Cruzado ruiu. Mais tarde, invasões do Congresso, uma delas, no tempo em que Antonio Carlos Magalhães era presidente do Senado, resultou no "laguinho do Abaeté", apelido carinhoso com que batizamos o espelho d'águe em frente ao Congresso, sob encomenda para evitar invasões e proteger a imponente sede do Poder Legislativo. Antes disso, vimos um ônibus invadir a entrada principal do Palácio do Planalto, e lá veio o espelho d'água colocado ali justamente para evitar que aquela cena se repetisse.
Sempre convivemos com manifestantes. Uma convenção do MDB, lá atrás, quando Itamar Franco quis concorrer à Presidência, jogou ao chão a porta de blindex do plenário. O MST entrou numa outra oportunidade. Neste século, tivemos até alambrados, grades que racharam a frente do Congresso ao meio, para ira dos arquitetos que conviveram com Oscar Niemeyer. De um lado, apoiadores da presidente Dilma Rousseff. De outro, os opositores da presidente. Houve quem trocasse flores em meio a grades, em amor à democracia.
O dia a dia, em busca de informação, sempre permitiu a contemplação de obras de arte. Das salas de teus palácios, vi as tempestades chegarem e irem embora. Jamais imaginei que serias tão atacada em tua beleza. Pela primeira vez, em todos esses anos, vi destruírem e saquearem teus salões mais nobres. E também, pela primeira vez, um número expressivo de integrantes das forças de segurança, pagas para te proteger, ficou olhando.
Esteja certa, Brasília, de que esta tempestade também passará. Como dizia Renato Russo, que cantava tuas belezas e mazelas em verso e prosa, "é claro que o sol vai voltar amanhã". Ainda veremos nossas crianças correndo por tuas praças, asas e eixos, livres e felizes no colo da tua, da nossa democracia. A visão do lindo horizonte, acessível dos janelões dos gabinetes mais importantes do Planalto, do Congresso, e do Supremo Tribunal Federal, não é obra do acaso. Foi colocada ali para lembrar às autoridades que passam por ti, que sempre há um horizonte. És a cidade em que escolhi ficar, contemplar, viver e criar meus filhos, Gustavo e Luísa. Vamos em frente.
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