Há momentos em que nos sentimos cansados de ser negros. Não é a cor da pele que pesa, mas o estereótipo de que todos os pretos e pardos são ladrões, sobretudo quando entram numa loja de classe média. Semana passada, eu e meu marido entramos numa loja de confecções de um shopping, logo de cara, a funcionária da porta nos olhou de modo diferente. Nos primeiros passos, vimos um empregado nos seguir dentro da loja. Meu marido perdeu a paciência e, irritado, disse: "Pare de nos seguir. Não vou aceitar isso". No mesmo instante, o jovem pardo deu meia volta e retomou o seu lugar na portaria.
O episódio não foi o primeiro nem será o último que enfrentamos. Isso ocorre com muita frequência de forma desprezível. Ao olhar ao redor, não se vê nenhum empregado de lojas acompanhado os de pessoas brancas, mas percebemos que sobre nós, negros, há uma imensa lupa para averiguar como estamos agindo dentro estabelecimento. Que chatice! Tem gente que dirá que isso não é verdade e que nós, pretos, vivemos cismados e atribuímos tudo ao preconceito. Não é verdade. A diferença de tratamento é real, seja na forma de falar, de nos olhar e nos tratar. Se reagimos, somos taxados de "barraqueiros". Pior: há quem, rapidamente, diga que temos mania de atribuir tudo ao racismo. Se não é racismo, então, qual é a razão do tratamento diferenciado?
Hoje, com os avanços tecnológicos, câmeras de vigilância podem ser instaladas em todos os lugares. As equipes de vigilância sequer precisam ser ostensivas, para identificar comportamentos inadequados dentro das lojas. Mas o tratamento em relação aos pretos ainda segue primitivo, acintoso e violento. A falta de educação e civilidade revela que estamos nos séculos 16 e 17, quando os colonizadores tinham convicção de que os negros sequer tinham alma e, portanto, não eram seres humanos, apenas escravos.
Estamos muito atrasados. É preciso mudar o comportamento e a forma de tratar as pessoas, independentemente da sua origem étnica-racial. Em pleno século 21, com tantos avanços, ainda há indivíduos e empresas prisioneiras de atitudes tão atrasadas, desprovidas de valores civilizatórios. Elas necessitam de um upgrade para alcançar a modernidade e ingressar na contemporaneidade. Precisam de educação.
Comportamentos pautados no racismo, na homofobia, na misoginia, na aporofobia e em outras fobias voltadas aos seres humanos são démodés, cafonas. A realidade demográfica do país, com 56% de cidadãos pretos e pardos, impõe um basta a todas as formas de discriminação. Os negros são maioria da mão de obra que produz riqueza e potencializa o desenvolvimento econômico do país. Portanto, precisam ser respeitados. Passou da hora de reconhecer a importância dos afrodescendentes para uma transformação socioeconômica que ponha fim às desigualdades embrutecedoras que empurram o Brasil para ultrapassados períodos medievais na comparação com as nações civilizadas. Respeito e igualdade são exigências do momento e de todos os tempos.
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