CRISTIANE PARENTE DE SÁ BARRETO - Jornalista, professora (Iesb e UnB), diretora da Iandé Comunicação e Educação, membro da ABPEducom
Após quatro anos em que as fake news foram usadas como base para uma eleição, manutenção do poder, ataques a adversários e manipulação de parte de uma população deseducada midiática e informacionalmente, gerando uma massa de dissonantes cognitivos, é de uma simbologia imensa ver que um dos primeiros atos do presidente Lula foi assinar um decreto (Decreto nº 11.362, de 1º de Janeiro de 2023) que cria um departamento na Secretaria de Comunicação voltado à educação midiática.
Não seria a primeira vez que o presidente demonstra a importância desse tema, já que nos seus mandatos anteriores criou os programas Mais Educação e Mídias na Educação, que trabalhavam a formação de professores e o uso crítico e criativo das mídias nas escolas, vistas não instrumentalmente mas como linguagem, forma de se expressar, refletir representações e edições do mundo.
Alguns desses programas tiveram como exemplos políticas públicas de educomunicação, como a da prefeitura de São Paulo, fruto da mobilização do Núcleo de Comunicação e Educação da USP e mais tarde da Associação
Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom); ou de ações como a do Comunicação e Cultura, no Ceará, maior projeto de jornal escolar do país na época e de instituições como Catavento, Bem-TV, Cipó, Cecip, Auçuba, Observatório de Favelas, Oficina de Imagens, Ciranda, Viração, Saúde e Alegria e Voz das Comunidades.
Em todo o país jornalistas, educadores, educomunicadores, pesquisadores nas universidades, educadores sociais, observatórios de mídia, ONGs desenvolvem há décadas projetos que buscam desenvolver a autonomia e a capacidade crítica e criativa de crianças, adolescentes, jovens e adultos na sua relação com a mídia, a arte e a tecnologia, com as informações que recebem e produzem, para que percebam o potencial da comunicação como possibilidade de desenvolvimento e transformação.
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Essa educação midiática é importante para que percebamos o poder que uma palavra e uma imagem possuem e a ética e a responsabilidade que devemos ter quando publicamos e compartilhamos um conteúdo; para que compreendamos a importância de uma imprensa forte e livre, que nos traga informações de qualidade e nos represente a todos com diversidade e pluralidade de olhares, cores, sotaques...porque é assim que fortalecemos democracias.
Daí a relevância e o desafio da Secretaria de Políticas Digitais, subordinada à Secom e sob a batuta de João Brant (escolha muito acertada). Ela terá de formular e implementar políticas públicas para promoção da liberdade de expressão, tolhida no governo passado; o acesso à informação, que ainda é um problema grave tendo em vista especialmente o que vivemos com a pandemia da covid-19 e, por fim, o enfrentamento à desinformação e ao discurso de ódio na internet, talvez a mais delicada das questões porque envolve um programa de educação amplo e muitas parcerias com outros ministérios, especialmente Educação, Cultura, Saúde, Direitos Humanos e Justiça, sem falar na interlocução com os outros poderes, como o Legislativo, que possui uma grande responsabilidade na formulação de leis que deem conta da complexidade do tema em questão.
Diz respeito também à proteção, mas sobretudo à participação e escuta de crianças e adolescentes sobre políticas públicas que lhes digam respeito, porque elas ainda são marcadas por uma perspectiva muito adultocêntrica e seria importante mudar esse viés, iniciando assim uma educação político-cidadã desse público.
Ainda no tocante a esse público, destacamos a importância da secretaria ajudar a (re)pensar a programação das TVs abertas, emissoras de rádio e a política de comunicação no país, levando-se em conta a responsabilidade dos meios com a educação, a formação, o entretenimento e a informação de qualidade, além de garantir maior representação e representatividade da diversidade de infâncias e adolescências do país, especialmente a dos povos originários e tradicionais.
A criação de políticas públicas de educação midiática e educomunicação, com raízes freireanas que contribuam com a formação cidadã de educadores, educandos e famílias; o trabalho da cidadania em seus aspectos interseccionais, olhando questões como desinformação, fake news, violência nas escolas, discurso de ódio, racismo, entre outras, promovendo e garantindo espaços e canais de reflexão e expressão são algumas das muitas possibilidades desta nova secretaria. Que ela se inspire nos grandes educadores e comunicadores e ponha em prática o que de fato é comunicar. Que bons ventos soprem para os companheiros Paulo Pimenta e João Brant.
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