Marise Basso Amaral - Diretora-geral do Unidos pela Vida —Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, Professora da UFF, pós-doutora pela Fiocruz, doutora e mestre em educação
Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira - Fundadora e diretora executiva do Unidos pela Vida, psicóloga e mestranda em Ciências Farmacêuticas pela UFPR
Em 6 de novembro, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) publicou as recomendações finais sobre o uso de limiares de custo-efetividade para a inclusão de novas tecnologias de saúde — medicamentos, exames e terapias — no Sistema Único de Saúde (SUS). O documento estabelece diretrizes e valores de referência para respaldar as decisões dos técnicos responsáveis pelas Avaliações de Tecnologias em Saúde (ATS).
É inegável a importância dessa discussão para a saúde brasileira, afinal, como genuíno paradoxo econômico, os anseios que requerem soluções são inúmeros, enquanto os recursos são escassos. No entanto, desde o início deste debate — que se intensificou em julho deste ano, com a realização de Consulta e Audiência públicas, bem como a 112ª Reunião Ordinária da Comissão, no mês seguinte - ficou evidente que, apesar dos inúmeros esforços, muitos dos argumentos que poderiam enriquecer esta proposta sequer foram considerados por uma comissão que, aparentemente, já havia definido os parâmetros e ditado a regra do jogo.
O documento recomenda, entre diversos pontos, a adoção de valores de referência de 40 mil reais por anos de vida ajustados pela qualidade (QALY), algo equivalente a 1 PIB per capita. Esse valor pode ser ajustado em até 3 vezes para casos específicos, como doenças raras que apresentam redução importante de sobrevida ajustada pela qualidade, doenças que acometem crianças e que reduzem a sobrevida ajustada pela qualidade, bem como doenças graves e endêmicas em populações de baixa renda com poucas alternativas terapêuticas disponíveis. Ou seja, cerca de R$ 120 mil por ano como valor máximo para incorporar uma medicação para doença rara.
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Sabemos que esses são valores incabíveis para tratamentos de doenças raras, que impactam não somente as vidas dos pacientes, mas de toda uma família que se mobiliza por essas pessoas. Apesar de representarmos pacientes raros, é válido lembrar que os limiares serão utilizados para avaliar a inclusão de tecnologias de saúde não somente para essa parcela da população, mas para todos os brasileiros. Direta ou indiretamente, somos mais de 200 milhões de usuários do SUS e seremos todos impactados por essa decisão.
À medida que a medicina avança, novas portas se abrem para o futuro dos tratamentos de precisão. Ao mesmo tempo em que olhamos com esperança para essas oportunidades, documentos como o proposto pela CONITEC se colocam como uma barreira intransponível para milhares de brasileiros que dependem do SUS.
Para debater esse assunto, o Unidos pela Vida — Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística realizou, no fim de novembro, o 1º Fórum Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde para Doenças Raras, primeiro evento do tipo organizado por uma associação de pacientes. A ocasião serviu para colocar a Conitec, a indústria farmacêutica, associações de pacientes, especialistas e acadêmicos lado a lado para discutir o futuro da inovação em saúde sob a perspectiva do limiar de custo-efetividade. O evento segue disponível para ser assistido até 25/12 em bit.ly/ForumATS.
Um estudo realizado pela Interfarma em parceria com a consultoria Moka Info analisou o histórico de decisões da Conitec entre janeiro de 2015 a junho deste ano. O objetivo era entender o impacto do limiar proposto caso fosse considerado nessas decisões. O levantamento ressaltou a alta complexidade na definição do limiar de custo-efetividade e evidenciou que ele não pode ser utilizado como parâmetro excludente e fundamental. Sua aplicação nas decisões levantadas pelo estudo prejudicaria mais de 260 mil vidas ao negar o acesso a novos tratamentos.
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Não nos parece justo tirar a única possibilidade de sobrevivência de milhares de brasileiros. Menos ainda, somos a favor de gastar tudo para todos. No entanto, temos ciência de que é necessário ampliar o debate para modernizar o sistema e investir em uma gestão planejada. Um estudo recente do Banco Mundial aponta que 30% da verba do SUS tem como destino gastos ineficientes.
Ora, se vamos mergulhar na medicina de precisão, não podemos aceitar um documento que restringe o acesso a essas tecnologias. Especialmente quando, além da sabida necessidade de gestão dos recursos destinados ao SUS, o processo de construção do documento desconsidera as inúmeras contribuições de segmentos importantes da sociedade civil, como as associações de pacientes, que participaram com robustez e qualidade nas evidências, especialmente relatos de vida real.
É fundamental que as metodologias aplicadas sejam bem estruturadas e mais claras, construídas a partir de uma ampla discussão com sociedade, pacientes, classe médica e indústria, para abarcar as reais necessidades da população e não prejudicar seu acesso à saúde, evidenciando desigualdades.
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